Poemas de Sylvia Plath em QUINGUMBO - NOVA POESIA NORTE-AMERICANA (new north american poetry), organizado por Kerry Shawn Keys, Ed. Escrita, Brasil, 1980, p. 201 a 213. "40 GRAUS DE FEBRE Pura? Que vem a ser isso? As línguas do inferno São baças, baças como as tríplices Línguas do apático, gordo Cérbero Que arqueja junto à entrada. Incapaz De lamber limpamente O febril tendão, o pecado, o pecado. Crepita a chama. O indelével aroma De espevitada vela! Amor, amor, escassa a fumaça Rola de mim como a echarpe de Isadora, e temo Que uma das bandas venha a prender-se na roda. A amarela e morosa fumaça Faz o seu próprio elemento. Não irá alto Mas rolará em redor do globo A asfixiar o idoso e o humilde, O frágil E delicado bebê no seu berço, A lívida orquídea Suspensa do seu jardim suspenso no ar, Diabólico leopardo! A radiação faz que ela embranqueça E a extingue em uma hora. Engordurar os corpos dos adúlteros Tal qual as cinzas de Hiroshima e corroê-los. O pecado. O pecado. Querido, a noite inteira Eu passei oscilando, morta, viva, morta, viva. Os lençois opressivos como beijos de um devasso. Três dias. Três noites. água de limão, canja Aguada, enjoa-me. Sou por demais pura para ti ou para alguém. Teu corpo Magoa-me como o mundo magoa Deus. Sou uma lanterna Minha cabeça uma lua De papel japonês, minha pele de ouro laminado Infinitamente delicada e infinitamente dispendiosa. Não te assombra meu coração. E minha luz. Eu sou, toda eu, uma enorme camélia Esbraseada e a ir e vir, em rubros jorros. Creio que vou subir, Creio que posso ir bem alto As contas de metal ardente voam, e eu, amor, eu Sou uma virgem pura De acetileno Acompanhada de rosas, De beijos, de querubins, Do que venham a ser essas coisas rosadas. Não tu, nem ele Não ele, nem ele (Eu toda a dissolver-me, anágua de puta velha) Ao Paraíso. (Tradução: Afonso Félix de Souza) PAPOULAS DE JULHO Ó papoulinhas, pequenas flamas do inferno, Então não fazem mal? Vocês vibram. É impossível tocá-las. Eu ponho as mãos entre as flamas. Nada me queima. E me fatiga ficar a olhá-las Assim vibrantes, enrugadas e rubras, como a pele de uma boca. Uma boca sangrando. Pequenas franjas sangrentas! Há vapores que não posso tocar. Onde estão os narcóticos, as repugnantes cápsulas? Se eu pudesse sangrar, ou dormir! Se minha boca pudesse unir-se a tal ferida! Ou que seus licores filtrem-se em mim, nessa cápsula de vidro, Entorpecendo e apaziguando. Mas sem cor. Sem cor alguma. (Tradução: Afonso Félix de Souza) OVELHA NA CERRAÇÃO Os morros desaparecem na brancura. Pessoas ou estrelas Tristes me olham, desapontadas comigo. O trem deixa uma linha de sopros. O lento Cavalo cor de ferrugem. Cascos, dolorosos guizos Toda manhã a Manhã esteve escura, Uma flor esquecida. Meus ossos gozam de uma calma, os campos Longe derretem meu coração. Tudo ameaça deixar-me ir por um céu sem estrelas e órfão, uma água espessa. (Tradução: Afonso Félix de Souza) A CHEGADA DA CAIXA DE ABELHAS Encomendei esta caixa de madeira Clara, exata, quase um fardo para carregar. Eu diria que é o ataúde de um anão ou De um bebê quadrado Não fosse o barulho ensurdecedor que dela escapa. Está trancada, é perigosa. Tenho de passar a noite com ela e Não consigo me afastar. Não tem janelas, não posso ver o que há dentro. Apenas uma pequena grade e nenhuma saída. Espio pela grade. Está escuro, escuro. Enxame de mãos africanas Mínimas, encolhidas para exportação, Negro em negro, escalando com fúria. Como deixá-las sair? É o barulho que mais me apavora, As sílabas ininteligíveis. São como uma turba romana, Pequenas, insignificantes como indivíduos, mas meu deus, juntas! Escuto esse latim furioso. Não sou um César. Simplesmente encomendei uma caixa de maníacos. Podem ser devolvidos. Podem morrer, não preciso alimentá-los, sou a dona. Me pergunto se têm fome. Me pergunto se me esqueceriam Se eu abrisse as trancas e me afastasse e virasse árvore. Há laburnos, colunatas louras, Anáguas de cereja. Poderiam imediatamente ignorar-me. No meu vestido lunar e véu funerário Não sou uma fonte de mel. Por que então recorrer a mim? Amanhã serei Deus, o generoso vou libertá-los. A caixa é apenas temporária. (Tradução: Ana Cândida Perez e Ana Cristina César) PALAVRAS Golpes De machado que fazem soar a madeira, e os ecos! Ecos partem Do centro como cavalos. A seiva Jorra como lágrimas, como a µgua lutando Para repor seu espelho Sobre a rocha Que cai e rola, Crânio branco Comido por ervas daninhas. Anos depois as encontro Na estrada Palavras secas e sem rumo, Infatigável bater de cascos. Enquanto Do fundo do poço estrelas fixas Governam uma vida. (Tradução: Ana Cristina César) ARIEL Estancamento no escuro E então o fluir azul e insubstancial De montanha e distância. Leoa do Senhor Como nos unimos Eixo de calcanhares e joelhos!... O sulco Afunda e passa, irmão Do arco tenso Do pescoço que não consigo dobrar. Sementes De olhos negros lançam escuros Anzóis... Negro, doce sangue na boca, Sombra, Um outro vôo Me arrasta pelo ar... Coxas, pêlos; Escamas e calcanhares. Branca Godiva, descasco Mãos mortas, asperezas mortas. E então Ondulo como trigo, um brilho de mares. O grito da criança Escorre pela parede. E eu Sou a flecha, O orvalho que voa, Suicida, unido com o impulso Dentro do olho Vermelho, caldeirão da manhã. (Tradução: Ana Cândida Perez e Ana Cristina César)"