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as faces de dylan: narração e poesia.


E lá adormecido no colete montanhoso de meu tio, e, enquanto dormia, – Quem está aí?
– gritou o guarda para a lua que voava . 10


       Dos parcos escritores do século passado, sabe-se que poucos escreveram como Dylan Thomas. Um encanto extraordinário contribuíra para que tudo o concernisse em "lenda". [Compreenda de forma que todo analista se inspira para pronunciar algo sobre um autor, o que está clarividente aqui] Em outro caso, imagino que Bob Dylan, com a finalidade de se tornar propriamente um nome de arte, adquiriu este nome; ou como Dylan Dog cuja inspiração nominal fora título de uma fotonovela. O poeta de Swansea tinha muito a contar. Infelizmente, alguns analistas descrevem o poeta a seu modo, transformando sua vida em 'banalidade' e sua escrita quase vai pelo mesmo caminho. De um certo ponto de vista, esta posição é legítima, na proporção que se pretende sentir viva a sombra semovente de um dos maiores bardos do período novecentista: jocoso, risonho e profundo como poucos. Afinal de contas, o personagem lembra-nos ter saído de um filme: pobre de Jó, bêbedo, mulherengo, vivendo em um pequeno e perdido país galês de duzentas almas e ficando famoso no mundo inteiro.

ouça o poeta em: "Do not go gentle into that good night"  *


Contudo, conhecido como poeta, D. Thomas é autor de uma série de narrações vivazes cuja veia jocosa assume aspectos delicados e nostálgicos. O seu estilo narrativo era atento à declamação [ritmo]. Soa enredos a moda atrevida de um palhaço, para depois induzir, imediatamente, cadenciando-os a brandura de quem compreende o sonho dos homens a olhos bem abertos, testemunha de uma fraterna piedade, a exemplo do extraordinário conto: Uma História.

Poucos narradores transmitiram um certo grau de raiva, ternura, escárnio e piedade como este escritor de galês. Se nas poesias dele, percebe-se uma grande profundidade ao timbre vibrante, impecável e à narratividade bíblica; nos contos representa-se o lugar de alívio a essas situações, nas quais amor e morte são os dois motivos dominantes a intenção poética. A vida diária de todos torna-se o novo contexto narrativo como as pequenas cidades do País de Gales, as singulares colinas e os bufos personagens nativos. Estes contos palpitam numa arena caricatural de um lugar (do país de Gales meridional) onde os personagens rurais são transformados em bestiário de uma humanidade tenra e grotesca, cercado por sombras e pueris temores do próprio local de origem, quase um contraponto a experiência desprendida e exótica de Joseph Conrad em Heart of darkness. Fala-nos Dylan Thomas: "O mundo desconhecido parte da própria casa e da própria infância, para prolongar-se na vida futura, num universo cujas fronteiras não estão marcadas."

O protagonista dos contos thomasiano quase sempre é um menino [o próprio Thomas], que vive no universo regulado pelos adultos, quase silente, pequerrucho e curioso daquilo que o cerca. Este galês desviando a atenção como menino, conta ainda às próprias brincadeiras, conferindo ao "herói" de suas narrativas um desencanto realístico, acertando pela sua pureza. Realmente, Dylan desdobra-se em suas narrativas: as vivências do garoto silencioso são contadas por meio da localidade irreverente e zombeteira do escritor, com um procedimento lingüístico que se coloca em proeminência como no mundo infantil, que é dominado por estruturas mecanicistas e mentais dos adultos. Para livrar o pensamento infantil, Dylan nos põe toda a sua verve de superadulto ou de um adulto alimentado de aptidões expressivas e de experiências cognitivas que ultrapassam a linguagem do homem comum. Realizando aos personagens a vivência e o contrapasso do escárnio [mesmo reprimido] que reabilitam a expressividade reprimida da infância.

Dylan Thomas fora muitíssimo desajeitado, divertido, plangente, sensual, mas especialmente transbordante em página como saído de quadros impressionistas, com aquele senso crítico da comunidade local. Os personagens de suas narrativas estão circundados com as semelhanças das coisas que cingem o protagonista das vicissitudes. Servem de fundo para aos contos o mundo citadino e a nação Gales como: as ovelhas, raposas, samambaias e a aguarrás. No abraço pavonáceo de uma humanidade órfã, a caneta de Thomas fixa fielmente todo esse estado e qualidade como qualquer outra.

Nos contos, o olho caleidoscópio da criança protagonista das vicissitudes revela-nos alienação mental das escolhas e dos comportamentos humanos. Thomas demonstra-se impiedoso aos defeitos dos filtros que a sociedade, não a natureza, detém. Tácita, no fundo, a criança sabe que no mundo dos adultos, ela não tem direito à palavra: o seu pensamento exteriorizado irá trazê-lo apenas aborrecimento e, ainda, que os adultos pretendem determinar e decidir o seu comportamento. Então um tipo de passagem acontece: uma linguagem desenvolta com pura e simples liberdade de pensar e expressar. O adulto que escreve os contos libera a simplória voz da criança dando-lhe um timbre e um "retrato". Retrato este que narra e descreve os personagens de uma terra descrita em uma auréola mítica a qual já é quase mitológica. Mas as poesias são bem distintas dos contos. As narrativas passam comicidade irreprimível. As páginas estão mais vivazes, as mulheres e as moças sensuais e ainda enormes; há, também, o desejo de tocá-las, a raiva incondicional de ser jovem e a pretensão de romper os limites do mundo construído por uma outra geração.

Mais que de contos ou de fábulas, poder-se-iam falar do enredo não originados no intelectualismo, porém em encantos e encantados, desfigurados e desfiguráveis como são as formas reais da vida. Esse é o valor antropológico e universal da obra thomasiana, ele está presente nas edições em todo o mundo [no Brasil há raras edições], prestigiando um trabalho com pensamentos voltados aos sentidos e aceitações sociais. Toda essa atmosfera de Dylan Thomas vive, aquece lugares e memórias, libertando-se de cada esquema exterior.

Eu não aniquilarei
A humanidade da sua partida com uma séria verdade
Nem abaterei as estações da respiração, insultando,
Com uma enésima
Elegia de inocência e mocidade.  11 


Temos em Dylan Thomas um dos poetas místicos do século passado, que teve seu encontro com a morte acidentalmente, talvez, pelo álcool e medicamentos. Aos vinte anos publicara a sua primeira coletânea de versos, aos vinte dois a segunda. Além das paixões já citadas aqui, podemos incluir as incansáveis leituras crônicas. Ele, poucos antes de morrer, já levara aos cuidados a sua principal seleção de poemas completos para tradução, Collected Poems, 1934-52. Poeta de voz profunda e encantável; deixou-nos uma série de registros da sua escrita que permanece inigualável. Quer dizer, ela alcança a sua dicção, ou seja, o tom, a voz talhada no clamor da existência, a celebração do homem adulto ascendendo aos céus, a reunião dos dois pólos de atração na literatura inglesa [sexo e morte]: erótico na testemunhal revocação da infância, criança e profeta no ato amoroso. Ele reinventou o ritmo do poema lírico inglês, destruindo a corrente imaginária, fazendo jogos de palavras valerem as velas. As suas investigações pelos acontecimentos e circunstâncias humanas fascinaram muitos jovens rebeldes e sonhadores que imitaram a famosa fotografia na qual D. Thomas ascende um cigarro. Esta foto fora permanecendo desastrosamente inexplorada e apontada por muitos editores como uma ocasião estrategicamente mal aproveitada e inadequada. Mas, ele também fora vítima de tradutores, isto aconteceu e acontece por causa de seus neologismos e profundidade na linguagem rítmica. Algumas dessas traduções fazem perder o seu valor ou ganham um valor diverso pela não fidelidade. Lembro-vos que não é fácil traduzir este galês e seu valor lingüístico. Dou-lhes o caso de um tradutor italiano:

In my craft or sullen art
Exercised in the still night.

Em italiano:
Nel mio mestiere, ovvero arte scontrosa
Che nella quiete della notte esercito  12

Em português:
Em meu ofício ou arte taciturna
É exercitado em noite silenciosa.


A versão não é tão fiel, pois não nos restitui a sonoridade [ressalto: não é fácil em Thomas], porém sintaticamente consegue ser fiel contando com um resultado de dez anos de trabalho deste tradutor.


Reflexões Finais:

Um Bardo Galês
e Alguns Movimentos Literários.



"...Se a imagem imperiosa, em si completa,
Cresce na mente, de onde é originada?
De rua suja e monte de detrito,
Lata velha, chaleira arrebentada,
Ferro, osso, trapos, a rampeira abjeta
A controlar a caixa. Sem escada,
Fico onde toda espada sai do chão,
Na loja de osso e trapo da emoção  13 



Dylan Thomas um Poeta Beat?



...Todas as coisas caem e são repostas,
E quem as reconstrói sente alegria.  14 


Este extenso ensaio deve ser avaliado como mais uma intervenção à contemporaneidade da escrita do Galês Dylan Thomas. Não estarei, agora, na conclusão, voltada aos regulamentos e as formas taxonomistas e normativas que - no geral - tentam vetar revisões de alguns autores: seguindo, então, uma linha de anulações na via filosófica de quem escreveu [ou escreve]. Constantemente, há uma eloqüência duvidosa de que tudo se prescreverá sem que as editoras se comprometam em resguardar às obras cuja remoção delas das livrarias vai perpassar com o tempo, ou seja, cairá no esquecimento. Esse conceito possui uma conotação intensamente prerrogativa. Na questão de Dylan Thomas há uma certa magnanimidade em relação às editoras estrangeiras - porque em relação ao Brasil existe, ainda, uma vacuidade em títulos.

Ao fim e ao cabo, sua escrita alcançou um grande sucesso no pós-guerra. O nome de Thomas torna-se seqüência referencial à apreciação de Eugênio Montale (da Itália, país onde encontramos vários títulos) e às análises críticas crivadas pelo mundo. Portanto, o nome dele cognomina da formação funambulesca cuja indicação brilhante temos no livro The Tightrope Writers. Studies of Mannerism in Modern English Literature (Giorgio Melchiori de 1956). A este título acrescento o nome do tradutor Roberto Sanesi entre tantos na intenção de 'viajar'no universo thomasiano, mas Sanesi teve mais interesse pelas poesias. Aqui, tento expor as minhas idéias de maneira revisada, vi-o e vê-lo-ei com olhos atuais, reabrindo o caso dessa arca galês.

O livro Poets, Prophets, and Revolutionaries. The Literary Avant-guard from Rimbaud to Postmodernism, de Charles Russel, encarrega-se de nos mostrar as fases das últimas décadas da literatura mundial [das introduções e divisas de cada uma], como se estas fases e seus nomes representassem de um outro lado subconjuntos comparativos. Com isso, torna-se espontânea a idéia de uma continuidade, primeiramente, entre os períodos históricos antiguerra e pós-guerra . Senão também, distinguir o modernismo do início do século do pós-modernidade que tem prolongado o passo com maior consciência dos preâmbulos do segundo período pós-guerra,  15 aos dias de hoje. Mesmo que o termo modernismo tenha origem num contexto de debate teológico  16 e não no âmbito literário. Mesmo que para esse último significado já esteja associado ao período oitocentista  17 , cujos caracteres já se diferenciavam nas variadas nações e, dentro dessas, nos modos, nas escolas e movimentos [dos quais os franceses terão uma repercussão irreprimível até nossos dias]; todavia, até pouco tempo, ainda existia o costume de chamar os modernistas de decadentes - aqueles poetas do início deste século!. Os poetas modernistas prodigavam a romper os antigos cânones da poesia e a dar outra luz a obra, cujas formas expressivas eram muito heterogêneas para nos induzir a crer que pudéssemos constituir um poema lírico por inteiro [coisa que hoje em dia fazemos sem estremecimentos]. Motivos que os empurraram a uma prática mais poderosa e existencial, e foram-lhes de inspiração múltipla. Com o seu fantasiar, havia quem baseava o poetizar em argumento onde o elemento primordial era a imagem. Como se a palavra poética não pudesse ser puro conceito de ordem abstrata cujo significado pudesse implicar, sugestionar contextualmente algo sensível, e, igualmente, reenviar aos sentimentos ou as causas afetivas irreparáveis; cuja musicalidade e fascinação podem produzir uma atmosfera não somente inaudita ou original, mas autêntica: a precisão do impreciso  18 .

O preceito segundo o qual não deve 'aplicar uma expressão como terras lúgubres de paz [dim lands of pace]' dado que a imagem é debilitada em quanto 'mescla uma abstração ao concreto  19 ' tinha sido, com sucesso, derrubado na poética pelos diversos bardos entre eles: W. H. Auden e Dylan Thomas que fizeram da palavra abstrata uma das fortes pivôs léxicos de suas artes; não foram por certo os primeiros nem os únicos da geração, há com eles um time de trintões e de apocalípticos. E antes deles tem assegurado por conta própria agregando-se ao imaginismo, a poesia de T. S. Eliot e a mudança de rota são mais perceptíveis em "Chopped Seas" [reconhece-se imediatamente nos nomes próprios Hugh Selwyn Mauberley, de 1920] de Ezra Pound. O primeiro dos dois grandes maestros do século, Eliot levará a forma poética aos níveis mais altos da maleabilidade expressiva e unidade formal dos anos '900 inglês, com o contraste léxico de enunciados abstratos e concretos, a exemplo do divertidíssimo Four Quartets. E ainda, a oposição dialética dos temas masculino e feminino de forma ritmada de modo que nós poderíamos ser induzidos a absorver no âmbito pós-moderno esta obra, excluindo-a do conjunto daquelas produções que já o tinham aberto a consagração universal  20 a exemplo de The Wast Land (1922). Uma tentação, essa, de T. S. Eliot não se render à consagração, já que Four Quartets está subscrito no álbum daquelas obras que puseram em discussão a questão da verdade, valendo-se de categorias que pretendiam que o presente fosse relido na história, talvez, tentando rivalizar com a incomensurabilidade de épocas hoje impropostas, mas cujas sugestões nota-se valiosíssimas, em lugar de abandonar àquela mentalidade - mais singularmente pós-moderna, que coloca a releitura [e reescrita] da História de acordo com a imanência e versatilidade do presente, onde os caracteres estão, aqui, sugeridos como não mais comensuráveis ao passado. Se para Eliot há declínio da civilização [e nós deixamos de lado as causas históricas onde particularmente no Reino Unido deviam ser decisivas], para Dylan Thomas há o presente cruel e contraditório quanto ao que se deseja; contudo, sempre iminente e unitário: o homem contemporâneo pode se pretender em novas condições limítrofes, modificar as formas que estão a seu curso, movendo esta ou aquela pendenga da etiqueta social, na condição de não se deparar com uma grande resistência a fim de permanecer estático como uma espada na rocha. Essa característica do pensamento de Dylan Thomas não é difícil de constatar se percorremos os dilúvios e deslizarmos nas sombras de sua escrita em Collected Poems 1934-1952, no seu epistolário e ainda nas suas narrativas - onde a ironia cômica é invadida de espanto branco/preto [paradoxos] da sua taciturna memória, onde realidade e fantasia se afinam finalmente no jogo de uma novata lógica refundada. Afinal de contas, os nomes por outro lado são memoráveis aos elementos que vão se colocar na classe das minorais, o movimento imaginário do século novecentista tivera uma 'vida' e 'verdade' curta [como tantas pétalas na água trêmula de uma pequena lagoa no verão], nem danunzianamente, poderíamos trazer a razão à inspiração de qualquer pessoa mais consistente e decisivamente poeta nos dias atuais.

Mas além daquela imposição baumgartiana da poesia, havia quem, neste período, se esforçasse para romper a sintaxe, quebrar e reciclar a palavra, perdendo completamente seu estado [a siglonomia dadaísta], quem a quis imóvel como um extremista cubista braqueano ou picassiano. Quem a quis lançada ao espaço como se fosse Boccioni com linhas de perspectiva ingovernáveis ao futuro. Quem a quis publicitária e clerical e assim podemos dizer sem nenhuma dificuldade que este modernismo estampou o seu próprio sinal com toda a força dos braços que tiveram, sem que, todavia, fosse aplicável a um cânone unitário e comum. Bastaria folhear a seleção dos elementos poéticos de Ungaretti ou Rebora, de um E. E. Cummings, de William Carlos Williams ou mesmo de Auden, para resultar num conto. Entre A imagem estendida e Os cantos de enfermidade há um abismo, que embora a mesma mão, aquela de Rebora, teria podido transpor. Dir-se-á que não premia ainda assim resultado. Exemplificando Dylan Thomas como a outros, de modo preciso, o chamado a morte pode-se distinguir duas épocas divididas pela conversão a uma religião qualquer e acompanhados por dois diversos modos de conceber a escritura. Simplesmente, dizemos que a forma não apenas se presta aos conteúdos, mas também se esforça e remodela neste período, e que alguns elementos de intentos diferentes se assemelham com a novidade. Nem é um caso, o fato que as poesias de Luisiana e a de Ted Hughes tentem sempre impor uma coloquialidade, um molde quase prosaico, porém imediatamente negada pela verticalização, pelo repentino ou ao menos que seja, da escrita  21 : ambas, poesias, representam aquele lirismo de imagens e tensões prosaicas que aproximam a arte do poetar ao cinema. A interferência dos novos meios é inevitável: fotonovela, televisão, cinema. Arte e não arte de massa e do movimento [cinemático e de pesquisa] imaginário por excelência, refinamento do enquadramento, finalmente, de mundos virtuais. A atual possibilidade de representação audiovisual de imagens mentais das quais, num tempo, a literatura tinha o monopólio [também mais que as artes figurativas, se se considera a sucessão cronológica dessas imagens] é o fato novo, o acontecimento que condiciona todas as outras artes, e então a poesia. Nos melhores casos, condiciona-as e potencia as capacidades expressivas por analogia, tradução ou empréstimo. Antecedente igual a Luzi e, imediatamente semelhante a Hughes, pode se dizer que o Dylan Thomas biográfico e, igualmente, o biograficamente maduro (1952) da coletânea poética In Country Sleep seja um intermediário, pois, pela origem deva-se verificar, primeiramente, Mallarmé em Um Coup de Dês Jamais n'abolira lê Hasard (de 1897), especialmente pelos últimos resultados da poesia Luisiana. Então, para Thomas vai o prêmio de mediador voluntário entre aquela origem e esse resultado. Seria de tudo falacioso querer assumir atitudes extremistas, pretendendo de um lado que no fim do século passado até hoje seja uma corrida de continuidade dentro de um contexto invariado denominado modernista. Do outro lado, desejando sublinhar a todos os custos as diferenças do contexto histórico-cultural e interromper a via de investigação da forma e dos conteúdos que nos são revertidos de um período a outro. A palavra de uma composição como Over Sir Jonh's Hill não preteri as simbologias tão herméticas quanto se pretende, cuja referência está ali imediatamente pronta, direta, incisiva, com imagens suspensas em circunstância intensificada, para então se deixar seguir e substituir semelhantemente de outra imagem incisiva, num movimento contínuo que tenciona primeiramente a dinâmica de um acontecimento, cujo testemunho deve ser o registro mais fidelíssimo possível do fato. Para Dylan Thomas testemunhar a Epifania não bastava descrever unicamente o aspecto externo e o objetivo do acontecimento. Uma epifania é sempre, ao menos, também uma ocasião interior. Longe de ser no molde uma visão blakiana, a epifania de Thomas provém de ver qualquer coisa [acontecimentos]. O aspecto iniciante a esta afirmação, do mistério eleusino  22 , é, no entanto, logo superada, como o hermetismo, aliás, que não teve nada de angélico nem exótico na experiência thomasiana. A epifania consiste ao contrário de reconhecimento e uma identificação 'de' e 'em' num acontecimento que é proposto ao leitor thomasiano. Metáfora e símbolo emergem na superfície com equilíbrio, sem negar ao texto a sua dinâmica sensorial semântica. A diferença dos primeiros elementos poéticos de Thomas em Over Sir John's Hill restabelece um longo contexto situacionista. A pausa de 'topoi' das tantas líricas antecedentes, ou ao menos, o reconhecimento árduo delas. Está, aqui, atrasada a maior habilidade comunicativa do poeta galês, sem retirar nenhum vigor das imagens e da musicalidade compositiva. Os dois momentos extremos da poesia de Thomas - 18 Poems (1934) e In Country Sleep (1952) - não diferem pela maior e menor clareza na introdução em um contexto situacionista, num lugar onde a imaginação e a experiência thomasiana tomam o corpo.

Se pela maior parte das composições de W. H. Auden se pode dizer que ela fala diretamente, introduz-nos ao lugar que a situação é manifestada e, dentro disto, uma voz comenta as conseqüências, julga as características, mostra-nos os paradoxos e o intrínseco valor social ou individual. Por outro lado, a poesia de Thomas nos quer dentro de um mundo cuja página e a realidade externa à página se fundam, deixando pequenas aberturas.

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