OUTRO PÁSSARO
Levantei de madrugada com o crânio mais que nada Rebatendo a velha ladainha que um bebum criou; Sim, aquela, quem não lembra, a velha marcação da lenda Duma certa ave agourenta, a qual repete um mesmo som — A ave vem e pousa lenta, repetindo um mesmo som — Invenção do velho Poe. Eu sabia que era fria refazer noutra poesia Tal estrofe, já vazia, feito andar na contra-mão; Entretanto fui caindo, como um sol, me achando lindo, Imitando outros no fim do indecoroso e bom refrão — Fui caindo, um sol caindo, repetindo o bom refrão — Pra alegrar meu coração. Só que mais triste eu ficava, minha situação mais brava E a caneta, mais que escrava, já pedia um fim também; Pois a métrica tão justa e a cadência tão augusta E insalubre a quem se assusta custam bem mais que um porém; Custam mais que um entretanto, que um contudo e que um porém; Mas eu não passava sem. Vi depois, sem sacanagem, que faltava um personagem, Que os bordões, quando eles agem, não se lançam no vazio; — Chega de metalinguagem, mude a rima agora em cima, Tente incrementar o clima e diga onde é que já se viu: Teus versinhos, sem persona, sempre errando, isso é civil? Nisso ouvi, distinto, um: — Psiu! Ah, viu só? — Eu já sabia: nesta madrugada fria (Que clichês!) demoraria, mas viriam emoções! — Emoções são coisa de Emo... — Ou será, por outra, o demo? — Sei que devo mas não temo remover os travessões (Na cabeça as tantas vozes me causavam confusões) — Tire então os travessões! Reorganizando a mente, notei repetidamente Que devia tão somente retraçar os passos meus: Simplifico os descaminhos, deixo ao léu desvios mesquinhos, Fico aqui no meu cantinho (mais clichês), mercê de Deus... Fico bem aqui sozinho, não vai só quem vai com Deus... — Não é Deus, mas são teus eus... Dessa vez eu te descubro, refleti, ficando rubro, Sem saber se já era outubro, ou talvez nem fosse abril - Pois o caos era tamanho, dava assim em mim um banho, E eu perdia o jogo ganho pra saber se alguém ouviu - Pra saber se mais alguma criatura além ouviu O distinto e claro: — Psiu! Novamente o psiu ressoa, vejo então que a hora é boa Pra flagrar qual é a pessoa causadora da aflição; Sem tardança ou qualquer falha se projeta-me esta gralha Cuja voz atroz se espalha declarando enfim quais são — Quais são as mais necessárias providências da razão — Grita a gralha: — Larga mão! Hoje nem sei se é tão certa dessa gralha a descoberta: Largar sempre a mente aberta, largar tudo que é ruim — Sei que enfim vou aplicando o bem que a gralha disse quando Flutuou na esfera vã do meu poema tão chinfrim — Flutuou e o próprio Poe, com tal pasticho tão chinfrim, Se torceu na tumba e fim.
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Fróes.
Ivan Justen Santana
no blog O surtado 18/03/2008