Numa floresta de letras

Paulo Leminski


Jornalista, tradutor, poeta, escritor, professor de Redação, redator de publicidade e tevê. O trabalho de Paulo Leminski é transformar a vida em palavras. Neste LEIA-Educação, Leminski conta o seu caminho pela literatura. Estante por estante. Aqui, também uma resenha de Guerra dentro da gente, seu primeiro passo nesta faixa chamada de literatura juvenil.

 

Quem me ensinou a amar os livros foi meu pai. Eu tinha oito anos quando o velho me chamou para ler com ele Os Sertões, de Euclides da Cunha. Foi o primeiro livro que eu li. As palavras difíceis ele me explicava. As passagens complicadas ele me esclarecia. Foi assim que eu entrei nessa floresta de letras que se chama literatura.
Aí pelos onze anos, comecei a querer também fazer livros.
Garoto do interior e do mato, eu era fascinado pelo mar. Peguei um caderno de escola e juntei nele tudo o que eu sabia sobre os oceanos, algas e peixes. Foi meu primeiro livro, O mar e seus mistérios. A mania não me largou mais.
Aos doze anos, meti na cabeça que queria ser monge. Entrei para o Mosteiro de São Bento, em São Paulo, onde fiquei dois anos. No Mosteiro, aprendi latim e grego. A mania de escrever se agravou ainda mais. Li e estudei toda a literatura grega e latina, no original.
Um dia, vi uma foto de Brigite Bardot na capa de uma revista. E saí do Mosteiro. Fazer poemas já era um vício diário.
De volta a Curitiba, tornei-me o freqüentador mais assíduo da Biblioteca Pública - que cheguei a conhecer como se fosse a minha casa.
Li estante após estante. Sobretudo, li todos os poetas modernos do Brasil: Mário de Andrade, Drummond, Cabral, Vinícius, Murilo Mendes, Ribeiro Couto, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida, o que pintasse.
Aos dezessete anos, tomei conhecimento da Poesia Concreta, que então fazia furor em São Paulo e Rio, agitando as cabeças. Aquela coisa de mexer com a linguagem mexeu comigo para sempre.
Nessa época, entrei em contato com o haicai japonês. Tinha começado a treinar judô. Haicai, judô, comecei a aprender japonês, língua que estudo até hoje, com o mesmo fascínio inicial.
Em 1964, saíram publicados os meus primeiros poemas experimentais na revista Invenção, dos poetas concretistas de São Paulo. Eu tinha vinte anos então.
Em 1967, mais ou menos, tive a minha primeira grande intuição, o filósofo Renê Descartes no Brasil holandês, em Recife. Com essa idéia, comecei a escrever o Catatau, que me tomou anos. Em 1975, saiu publicado o Catatau, em Curitiba, às minhas próprias custas. O livro fez o escândalo que seus exageros mereciam.
Aí, eu já tinha me tomado de amores pela música popular, tocava violão e fazia letras, apaixonado por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque de Holanda.
Em 1980, publiquei, em Curitiba, independente, dois livros de poemas: Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase e Polonaises. Em inícios de 80, a Editora Brasiliense de São Paulo e eu nos descobrimos.
De lá para cá, publiquei quatorze livros pela Brasiliense, entre livros de poemas (Caprichos e relaxos, Distraídos venceremos), romance (Agora é que são elas), traduções e biografias.
Nesse tempo todo, faço poemas sem parar. É como poeta que me vejo.
Estou condenado a transformar minha vida em palavras.
Traduzir, melhor dizendo.

 

 

Guerra dentro da gente

Num faz-de-conta entre princesas, aventuras no mar e disputas, acontece Guerra dentro da gente, livro de Paulo Leminski, dedicado ao público juvenil, lançado pela Editora Scipione, em sua série Diálogo. Um menino que queria aprender a arte da guerra descobre o antídoto para essa manifestação destruidora do homem: o amor.
Baita, filho de um lenhador, conhece um velho, Kutala, que se oferece para iniciá-lo na arte da guerra. Uma arte superior, próxima apenas de quem tem poder. Seduzido por esta idéia, segue Kutala e abandona seu lar que, a bem da verdade, não era nenhum poço de felicidade. O que encontra, no entanto, faz com que Baita sinta saudades do cotidiano na floresta. E, de aventuras e experiências, o menino se transforma em rapaz.
Baita aprende a arte da guerra. Tão bem, que um dia trai seu mestre. Mas não encontra satisfação, apesar de conquistar o mais alto posto do reino. Apaixonado pela princesa, vê seus caminhos distanciando-se pelo mesmo motivo: a vida. Ele, destruindo. Ela, salvando.
O amor da princesa, cujo nome Sidarta homenageia o fundador do Budismo, contagia Baita. Seu interesse pela guerra vai aos poucos desaparecendo. Retornando ao seu lugar de origem, ele reencontra o velho Kutala que o recebe com o mesmo gesto de anos atrás, em uma posição de poder. Cabe a Baita decidir, ou não, trilhar o seu novo caminho.
É ai que Paulo Leminski, neto e filho de militares, exorciza sua fantasia infantil da guerra como uma atividade das mais nobres. Guerra dentro da gente, em sua simplicidade e texto fácil, traz sentimentos, expectativas e projetos. Um exorcismo também para o público juvenil. E semente.

Guerra dentro da gente, de Paulo Leminski - Ed. Scipione, 64 pp., Série Diálogo.

 

In: Revista LEIA, S. Paulo, dezembro de 1988, p. 43.

 

 

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