Antônio Moura
Dez

Introduction


Neste antro	entro
toco		o eco
do silêncio

	Nesta selva
	núbia dúbia
moita estremecendo aos guizos
da serpente	     falo
em negro e pelos
golfos de veneno

Neste astro, mênstruo mosto
mostrado
	à carícia lâmina — vento
ardendo a
dentro		     falo

		 em fogareiro



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Sebastião Assim o são. O silvo — as setas — dentro — do silêncio — da carne — em eterna — mortal — união Assim — o são
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Crepúsculo City Urbo rubor Ruído O sol-motor carbura cor dor a diesel
° ° °
À chuva que ora ara a campa de teus mortos ora
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atentA Antena o poema conciso retém no ar o ruído E compacto capta — apta onda — ((((((.)))))) imagem rápida
° ° °

Nosferatu


Quando a lua uiva
sobre sonos e sopra
o pó das sepulturas,
exalo meu perfume e 
negro lume, escapo

A capa, asa de negrume
envolve teu corpo, ar
repiando o dorso, car
ícia de brasa gelada

E por fim deixo em tua
pele-página, orifícios,
dupla marca, ver
melho sangue: cravadas

 

Ed. Supercores, Belém, PA, 1996

 

 

Hong Kong
 & outros poemas

Antônio Moura

HONG-KONG
		A EDSON E FÁTIMA SECCHES
		
Paira
       sobre as cabeças
uma alta quantia de estrelas

Na terra
    	olhos vendados
onde se lê grafitado: à venda

Sob
o céu
esticado
	— tenda —
o burburinho-mercado
prega
(pregão)
a milhõe$
	 $
	       $
	   $
           $
	         $

de planetas	

(nuvens com etiquetas)

à noite
          o sol é ouro especulado



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CASA-NOITE, quatro janelas através, um grilo ópera todo o seu ser composto de arredores — paisagem e quase só som por dentro Entre norte, sul, leste, oeste, cinco sentidos quase janelas abertas ao não dito Alfabeto-Grilo
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OUTRA MANHÃ A ROQUE, CLÁUDIA E JOSÉ ANTÔNIO Por detrás do verde monte (não-verde-oliva não-verde-musgo verde-não-verde não-verde-mar) por detrás do verde monte (não-verde-mata ver de perto: entulho) por detrás do verde-azinhavrado monte de sucata, surge sujo grafitado — cicatrizes, placas, logomarcas confusa cabala, restos de cartazes, frases, chagas — crivado de balas o sol e ao fundo o canto imaginário do galo garganta jorrando do pescoço decepado (gargalo) ao esgoto escuro o sangue reencarnado: outra manhã no mundo
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CAÇA Bronze azinhavrada esta florida seta — setembro singra — tenso — o arbusto entre Dardo silvo ereto solitário vara a flora emaranhada fundindo, fundo, fauno à fauna Virgem carde lebre atravessada por teso arco sagitário
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NUMA ESTAÇÃO DO METRÔ, around 1916 d.c., a aparição das faces na multidão, pétalas, num ramo escuro úmido, dilata a pupila de Ezra, enquanto outra turba (a mesma?) se despetala: um tiro (a esmo) desfolha a bala a rosa da multidão, numa estação do metrô, 1998 d.c.
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NOITES, DIAS A LUCIANA MEDEIROS Noites de seda obsedantes Dias de caos causticantes Um céu silêncio de estrelas explosão diamantes Um sol confusão de homens nomes entre si distantes um céu macio, sexo Um sol duro, osso Um mundo sem nexo exigindo corpo
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JULHO Nuvens Nuvens Nuvens (branca pupila) tambores brancos — entrando — velho varão, varando — fogo branco — a noite ostra cobrindo de fina camada branca a cama da branca ninfo-suicida ornando (flores de gelo) de branco a branca ante-sala da morte — irmã de outro frio, de dentro in (o pássaro alça seu vôo em br asa) verno
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NO 2º ANDAR DA MANHÃ A CRIS MENDES Sob a janela um ninho vazio, rosa de pluma palha pouso e vôo — estrela, ainda úmida entre ramos
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Ateliê Editorial, Cotia, SP, 1999

 

 

Inéditos

A espera

À espera, de pé, na pedra
entre a esfera verde do mar

e a estrela que a cada
noite se aproxima, falas

cada vez mais mudo,
numa  voz que escuta o fundo

de outra voz que vem 
e diz-não-diz em eco, 

hein, idioma de algas 
algo assim num som surdo:

nada, vestido de corpo e carma,
enquanto se dissolve o mundo


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Ainda aqui este passo entre o invisível riacho e o poço que puxa o passo para baixo, para o ponteiro de osso que marca, passo a passo, a hora pulsando no fundo do poço, água de reflexo mundano em que afundas de lama teu rosto onde, simultâneo, passa o invisível riacho ao encontro de outro
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Aonde vai a voz que daqui sai ao encontro de algo ou alguém que a si talvez também não se saiba quem ou o que entre árvores gatos, cães, moedas, moenda solar triturando a noite e suas estrelas — pó estelar que se acumula sobre as pálpebras através dos dias até que um dia, ao fechar as pálpebras, cai e se des faz, sem voz, na luz cotidiana
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Ao Atravessando o rio, o deserto, a rua, a floresta, o calcanhar doendo atravessado por um A, a letra ponta aguda de uma seta, que o leva a expor, arrastar, um risco de sangue que escreve nas folhas do caminho e num idioma analfabeto, um texto sem palavras ou de palavras anteriores à rasura do universo, que o faz falar sem boca ou apenas traduzir, em eco, o vazio detrás da estrela, O vazio que gera o nome, o corpo, a asa e seu segredo de Amar, este talvez caminhar atravessando o incerto, o rio, o deserto, a rua, a floresta, o calcanhar ferido por um A, a letra ponta aguda de uma seta
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Onde Onde a voz é tão soprana que sua ponta de diamante trinca o céu de vidro, e onde a luz é treva, de tão intenso o brilho Onde o presente é eterno e o eterno tão efêmero, que o tempo, imóvel, é um Buda sentado à beira e à sombra de si mesmo Onde a beleza é medonha de tão radiosa, rosto, rosa, que nos interroga no silêncio dos espaços infinitos que apavora Onde o vazio é um estar cheio de nada, e onde tudo não passa de espaços entre as estrelas, vida, morte, numa única centelha
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poemas do livro O vazio detrás da estrela,
a sair pela Imã Edições, de Lisboa, Portugal

Leia uma entrevista com o poeta em Balacobaco

 

Antônio Moura?

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Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: Elson Fróes