Antônio Thadeu Wojciechowski, Roberto Prado, Marcos Prado e Edilson Del Grassi.
ilustração: Miran.

(republicado em Os catalépticos, Lagarto Editores, Curitiba, 1991)



in Raposa, 1985.



O CORVO





Num dia desses,
no exato momento do último instante,
eu, bêbado como sempre,
num sonho de escriba extravagante,
delirava às vezes demais
Daquele gélido julho não vou esquecer jamais. Eu, matando saudades da morta, sugava do litro e de um livro que já não idolatro mais.
Dois toques na porta. Eu, com um copo a mais, tive a nítida impressão. “Um estúpido corvo bate à minha porta. Só pode ser isso, nada mais.”
“Aguenta as pontas um pouco mais!” Berrei feito um possesso mas sem querer ignorar O Processo que me acelerava o coração me enervando ainda mais.
Matando medo a grito, meto a mão na maçaneta e só a noite testemunha o que fui capaz. “Deixar o bem ouvido pelo maldito? Isso nunca, jamais.”
Volta a tomar conta de mim a infeliz, dor infinita menor que minha cicatriz, “Este coração é aquela que aqui jaz”. Tranco a porta. “Era tentação, nem menos, nem mais.”
Escancaro a janela e a casa cai. “Isso não vai ficar assim.” Abrindo as asas sobre mim, Com jeito de quem volta atrás, o corvo foi longe demais.
Trazendo desaforo para minha casa, o estorvo fedorento e sem compostura pousa sobre o ontem dos jornais sem vacilar, na maior cara dura, abre o bico e se apresenta: “Nunca mais.”
“Essas coisas só acontecem comigo.” Resmunguei já muito loquaz. Só porque exagero na dose ninguém acredita quando digo que o corvo disse nunca mais.
O corvo repetia com tamanha fé que desconfiar nunca é demais. “Depois de tanto amigo sacana, te expulso também a pontapé.” E o descarado: “nunca mais.” Ao ouvir palavras tão certeiras, recordei os bons tempos de rapaz: “Eu também já fui assim, ô chupim, eco de todas as besteiras.” E ele, na tampa: “nunca mais.”
“Vou ganhar esse corvo no cansaço.” Sento disposto a esperar sentado até que à razão venha algum sentido para respostas tão geniais. E o corvo se adiantando: “nunca mais.”
“Por que dou asas a tanto azar?” Indago o meu mal passado a sangrar pensando fazer-lhe pena com meus ais. “tornarei a vê-la no momento azado”? E o corvo com muita pena: “nunca mais”.
“Demodeus, me responda, que diabos! O amor, que dizem um santo remédio, nesta esquina entre Deus e Satanás, poderá por fim à dor desse tédio?” E o corvo bocejando: “nunca mais.”
“Demodeus, me responda, que diabos! Que bel prazer costumeiro e solitário há nestes trabalhos manuais? Existe alma ou sou mesmo um otário?” E o corvo espirituoso: “nunca mais.”
Um anjo mau que sonha como o diabo em pessoa este é ele escrito e escarrado até hoje agourando que eu descanse em paz. Por mim tanto faz, agora no meu ombro, domesticado, o corvo curvado, nunca mais.




(Versão brasileira de Roberto Prado, Marcos Prado, Antonio Thadeu Wojciechowski e Edilson del Grossi Fonseca)






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