|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Antônio Frederico de Castro Alves (Curralinho BA 1847-1871)

Celebrizado como "poeta dos escravos" por conta de poemas como "Navio negreiro" ou "Vozes d'África", sua politizada faceta é contrabalançada pelo lado mais sentimental e róseo do romantismo, encontradiço (sob o mesmo apuro formal) nos sonetos em que retrata suas musas, os quais diferem abissalmente da atmosfera negra e lúgubre dum Álvares de Azevedo — apesar da exceção meio diabólica de "Fabíola". Vejamos o contraste desta com as demais mulheres idealizadas pelo poeta.


PRIMEIRA SOMBRA: MARIETA

Como o gênio da noite, que desata
O véu de rendas sobre a espádua nua,
Ela solta os cabelos... Bate a lua
Nas alvas dobras de um lençol de prata...

O seio virginal, que a mão recata,
Embalde o prende a mão... cresce, flutua...
Sonha a moça ao relento... Além na rua
Preludia um violão na serenata!...

..Furtivos passos morrem no lajedo...
Resvala a escada do balcão discreta
Matam lábios os beijos em segredo...

Afoga-me os suspiros, Marieta!
Ó surpresa! ó palor! ó pranto! ó medo!
Ai! noites de Romeu e Julieta!...


SEGUNDA SOMBRA: BÁRBORA

Erguendo o cálix, que o Xerez perfuma,
Loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
Dentes níveos em lábios tão vermelhos,
Como boiando em purpurina escuma;

Um dorso de Valquíria... alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tão vivos como espelhos,
Mas como eles também sem chama alguma;

Garganta de um palor alabastrino,
Que harmonias e músicas respira...
No lábio — um beijo... — no beijar — um hino;

Harpa eólia a esperar que o vento a fira,
— Um pedaço de mármore divino...
— É o retrato de Bárbora — a Hetaíra. —


TERCEIRA SOMBRA: ESTER

Vem! no teu peito cálido e brilhante
O nardo oriental melhor transpira!...
Enrola-te na longa cachemira,
Como as Judias moles do Levante.

Alva a clâmide aos ventos — roçagante...
Túmido o lábio, onde o saltério gira...
Ó musa de Israel! pega da lira...
Canta os martírios de teu povo errante!

Mas não... brisa da pátria além revoa,
E, ao delamber-lhe o braço de alabastro,
Falou-lhe de partir... e parte... e voa...

Qual nas algas marinhas desce um astro...
Linda Ester! teu perfil se esvai... s'escoa...
Só me resta um perfume... um canto... um rastro...


QUARTA SOMBRA: FABÍOLA

Como teu riso dói... como na treva
Os lêmures respondem no infinito:
Tens o aspecto do pássaro maldito,
Que em sânie de cadáveres se ceva!

Filha da noite! A ventania leva
Um soluço de amor pungente, aflito...
Fabíola! É teu nome!... Escuta... é um grito,
Que lacerante para os céus s'eleva!...

E tu folgas, Bacante dos amores,
E a orgia, que a mantilha te arregaça,
Enche a noite de horror, de mais horrores...

É sangue, que referve-te na taça!
É sangue, que borrifa-te estas flores!
E este sangue é meu sangue... é meu... Desgraça!


QUINTA E SEXTA SOMBRAS: CÂNDIDA E LAURA

Como no tanque de um palácio mago
Dois alvos cisnes na bacia lisa,
Como nas águas, que o barqueiro frisa,
Dois nenufares sobre o azul do lago,

Como nas hastes em balouço vago
Dois lírios roxos, que acalenta a brisa,
Como um casal de juritis, que pisa
O mesmo ramo no amoroso afago...

Quais dois planetas na cerúlea esfera,
Como os primeiros pâmpanos das vinhas,
Como os renovos nos ramais da hera,

Eu vos vejo passar nas noites minhas,
Crianças, que trazeis-me a primavera...
Crianças, que lembrais-me as andorinhas!...


SÉTIMA SOMBRA: DULCE

Se houvesse ainda talismã bendito
Que desse ao pântano — a corrente pura,
Musgo — ao rochedo, festa — à sepultura,
Das águias negras — harmonia ao grito...

Se alguém pudesse ao infeliz precito
Dar lugar no banquete da ventura...
E trocar-lhe o velar da insônia escura
No poema dos beijos — infinito...

Certo... serias tu, donzela casta,
Quem me tomasse em meio do Calvário
A cruz de angústia, que o meu ser arrasta!...

Mas se tudo recusa-me o fadário,
Na hora de expirar, ó Dulce, basta
Morrer beijando a cruz de teu rosário!...


OITAVA SOMBRA: ÚLTIMO FANTASMA

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te libras vaporoso...

Baixas do céu num vôo harmonioso!...
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso!...

Onde nos vimos nós?... És doutra esfera?
És o ser que eu busquei do sul ao norte...
Por quem meu peito em sonhos desespera?...

Quem és tu? Quem és tu? — És minha sorte!
És talvez o ideal que est'alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!...


Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes