O SONETO ERÓTICO

Essa diluída (ou dissoluta) modalidade do molde confunde-se freqüentemente com o fescenino, quando, além do gozo, a gozação dê o tom. Enquanto a explicitação sexual e amorosa não chega a ser avacalhada pelo grotesco ou pelo escatológico da cena, pode-se dizer que o rótulo de "erótico" prevalece no poema. Esta é a opinião de alguns. Segundo outros, até os sonetos mais debochados de Bocage entrariam na categoria de "eróticos", e, por conseguinte, meus próprios exemplos. Seja como for, a sério ou por brincadeira, as manifestações da libido e as relações carnais têm merecido a dedicação dos sonetistas em diversos graus de apuro formal e em diversos estilos. Vejamos alguns casos, aos quais adiciono dois dos meus. [GM] SONETO IV [Ângelo Monteiro] Eu volto a ti, Amiga, como as águas há muito represadas sob a terra, percorrendo um caminho de palavras até chegar despido ao teu mistério. E do seu veio límpido e desperto, hoje, por fim, que as trago libertadas, delas te oferto o seu cristal mais frágil e o musgo ainda colado às minhas vestes. E volto a ti como se volta às fontes intocadas no tempo. Ou aos sacrários mais íntimos do sexo. Ou às mucosas secretas de corola refratária. Volto lambendo as hastes do silêncio: tuas flores unindo às minhas águas. ESSE AMANTE [Antônio Cícero] Não é exatamente que esse amante pretenda confundir-se com a amada; o que acontece é que, no mesmo instante em que, lúcido e lúbrico, prepara, com circunspecto engenho e arte, a entrega da mulher, ele saboreia o gesto, gemido ou tremor que observa, e interpreta cada sinal de volúpia nos termos da sua própria carne. Discernir-se dela, ao olhá-la, e achá-la em si são lados reversos da mesma moeda. Ei-lo que, com o fim de seus anseios nos seios das suas mãos, vê-se compenetrado e entregue a um gozo que quiçá se finge. SONETO 5 [Aretino, traduzido por José Paulo Paes] Põe-me um dedo no cu, velho pimpão, Mete-lhe dentro o pau, mas sem afogo; Levanta bem a perna, faz bom jogo, Depois mexe, mas sem repetição. Por minha fé, isto é melhor ração Do que pão com alho e óleo junto ao fogo; Se a cona te desgosta, muda logo. Há homem que não seja um mau vilão? Na cona hei de foder-te boa data De vezes, pois em cona ou cu entrando, O pau faz-me feliz e a ti beata. Quem quer ser mestre é louco e é tolo quando Por alheios prazeres malbarata O tempo em que devia estar trepando. Pois finda-te, esperando Num palácio, que o tal morra, senhor Cortesão, que eu sacio meu ardor. A EMBOCADURA [Belli, traduzido por José Paulo Paes] Que esfregões, gemidos, desbaratos! Que arremessos a seco, numa enfiada! Todos no alvo, por Cristo, desde a entrada: Ficam bufando os dois como dois gatos. Olhos vidrados, pior que de insensatos: Pêlo com pêlo, boca a boca atada, E enfia e empurra e bate sem parada; Vai e vem, põe e tira num só ato. Descalabro se um pouco mais durasse! Chegada a brincadeira ao seu final, Ficamos feito pedras, inconscientes. É muito bom foder! Mas o ideal Seria nos tornarmos realmente Gertrudes toda cona e eu todo pau. [SONETO DO DIA SEGUINTE] [Carvalho Júnior] Quando, pela manhã, contemplo-te abatida Amortecido o olhar e a face descorada, Imersa em languidez profunda, indefinida, O lábio ressequido e a pálpebra azulada, Relembro as impressões da noite consumida Na lúbrica expansão, na febre alucinada, Do gozo sensual, frenético, homicida, Como a lâmina aguda e fria de uma espada. E ao ver em derredor o grande desalinho Das roupas pelo chão, dos móveis no caminho, E o "boudoir", enfim, do caos um fiel plágio, Suponho-me um herói da velha Antigüidade, Um marinheiro audaz após a tempestade, Tendo por pedestal os restos de um naufrágio! ZONETO ERÓTICO # 2 [Felisberto Leites, aliás Douglas Diegues] poesia rara ? voy a gozar en tua cara quero más que punheta voy a gozar entre las tetas quando chegarmos en Índia voy a gozar en tu língua livre de la maldición poesia de esperma mesclado con batom de bellezas el mundo está repleto voy a gozar en tu secreto puedo reir de mi complexo en el rocio de tu sexo la noche en Asunción es barroca estoy go-zan-zan-zan-zan-zan-do en tua boca NOTA BIOGRÁFICA I [Gastão de Holanda] Na leitura do abismo e seus açores Teci a minha vida, entre moinhos Atirei-me à ventura dos caminhos E neles cultivei as mores dores. Jamais ultrapassei os domadores De outra profissão senão de espinhos, Não apurei o faro dos focinhos Mas despertei o mito dos amores. Embora da maldade dos tiranos Compusesse uma ópera canina, Eu tive a recompensa do teu ânus. Tesão com castidade não combina Nem fodas retardadas pelos anos: Ser puto de mulher, eis minha sina. NOTA BIOGRÁFICA IV [Gastão de Holanda] Cantar as excelências desta puta É captar do ser a transcendência É tecer um exemplo de imprudência Onde alma e carne se traduzem em luta. Navio de pedra, às vezes dúctil fruta Resolve-se em pecado e conivência, Clito, pentelhos, lábios sem clemência, Um segredo infernal que sabe a gruta. Suspenso pela idéia que fulmina Seqüestro na cama repetindo Aos gritos a linguagem da vagina. Sofro a grelha de fogo consumindo Exangue pênis, falo de morfina Que o cego já castrado vai carpindo. GUARDEI DE MIM O QUE LHE DOU AGORA [Geraldo Pinto Rodrigues] Guardei de mim o que lhe dou agora: uma canção de amor com a cor da aurora, favos de nuvens para o nosso idílio e coisas mais para um suave exílio. Aquietemo-nos corça, fêmea arfante, lua inteira despida, doce amante, que na razão de estarmos descobrimos tempos de vida, triunfais arrimos. Sob o jugo de halos invulgares, refaço o canto em descobrimentos de teias que se extinguem nos vagares dos ritos que em amor são chamamentos para viagens tecidas sobre a cama e coisas mais afeitas a quem ama. PAVLOVIANA [Gilberto Mendonça Teles] No ar vou árvore vou ave vou ando só e noturno, passageiro inquieto e sombrio, como o touro lendo o vermelho aéreo das sereias. Antes, falo do amor que se debruça na seta deste enigma e não se cala nem se cobre de medo ou de medusa depois de tanta musa e tanta fala. A língua não se volta contra o céu da boca, nem o timbre das palavras muda o gosto das frutas pelo inverno. Só o amor e seu mar, suaventura e tédio, ordenam esse sinal de baba nos seus cachorrosnando, mas de gula. LIMITES [Gilberto Mendonça Teles] Nos limites da areia te acompanha a superfície múltipla das algas. Mas há outros limites: a montanha, o murmúrio da espuma que cavalgas, este tempo de aquário (e de antiquário) escondendo na concha, por descuido, seu estilo de peixe, seu glossário no verde do papel, como num fluido em que sempre te deitas, água-viva, pés de verso escandindo a coxa, enjam- bemando o corpo ao sol, mas na saliva, por dentro da linguagem, sob a lã, no vértice da duna intransitiva na transitória luz desta manhã. SONETO 139 OROERÓTICO (OU OROTEÓRICO) [Glauco Mattoso] Segundo especialistas, a chupeta depende da atitude do chupado: se o pau recebe tudo, acomodado, ou fode a boca feito uma boceta. Pratica "irrumação" o pau que meta e foda a boca até ter esporrado; Pratica "felação" se for mamado e a boca executar uma punheta. Em ambos casos, mesma conclusão. O esperma ejaculado na garganta destino certo tem: deglutição. Segunda conclusão: de nada adianta negar que a boca sofra humilhação, pois, só de pensar nisso, o pau levanta. SONETO 309 BUCETEIRO [Glauco Mattoso] Pequenos, grandes lábios, um clitóris. Pentelhos. Secreção. Quentura mole, que envolve meu caralho e que o engole. Não saio até gozar, nem que me implores. Diana. Dinorá. Das Dores. Dóris. Aranha. Taturana. Ovelha Dolly. Peluda, cabeluda, ela nos bole na rola, das pequenas às maiores. Buceta existe só para aguçar a fome dos caralhos em jejum. Queremos bedelhar, fuçar, buçar! Agora não me falem do bumbum! Do pé tampouco! Vou despucelar o buço dum cabaço, ato incomum. SONETO [José Paulo Paes, recriando do espanhol] — Que quer de mim, senhor? — Filha, foder-te. — Diga com mais rodeios. — Cavalgar-te. — Diga ao modo cortês. — Então, gozar-te. — Diga ao modo pateta. — Merecer-te. — Bem hajas que consigo compreender-te e mal haja quem peça de tal arte. Depois, o que farás? — Arregaçar-te e com a pica alçada acometer-te. — Tu sim hás de gozar meu paraíso. — Que paraíso? Eu quero é minha porra metida bem no fundo do teu racho. — Com que rodeio o dizes, tão precioso! — Caluda, amor, que de prazer já morra, fodendo-te, eu por cima, tu por baixo. VENTO INDISCRETO [Júlio César da Silva] Vejo-a, curva, sem mangas, de corpete, Os braços nus, ao fundo do quintal, Esfregando com água e sabonete A peça mais gentil do seu bragal. Bate, espreme, a pressões por fim submete A alva calcinha, casta e virginal, E em cada ponta enfiando um alfinete, Põe-na a corar ao sol, presa ao varal. Mas nisto, o vento, que soprando vem, Boja-a, enfuna-a, insinuando-se por entre As rendas; e, ao tufá-la, o faz tão bem, Que desejo ali fique e se concentre Para que eu veja as curvas que ela tem Nas gordas nalgas e no lindo ventre... O AMOR DE MINHA VIDA [Luís Antônio Cajazeira Ramos] Eu, por exemplo, gosto é de foder. Bem sei (será que sei) o quanto amar seja lá o que for tem seu lugar, mas foder por foder é mais prazer. Amo a só superfície que há na pele, a visão duma boca subjugada, apascentar um cu, gozar em cada posição que a libido me revele. O pau, que é sempre alerta, um dia cansa, e o que fervia o sangue na cabeça esfria o cavernoso da lembrança. Resta-me, então, foder aqui e agora. Portanto, perdição, goze e me esqueça. Eu sou o amor que pica e vai embora. ANDANDO PARA O INFINITO [Luís Delfino] Sou aos teus pés, como o areal sedento: A água toda do céu nunca o sacia; E pode, a noite remendada ao dia, Cair-lhe de pancada, ou lento e lento. Sou um faminto a precisar sustento, Sempre a febre, que o forno acende e cria, Morda-lhe o seio esplêndido e opulento, Beba-lhe à boca, um cíato, a ambrosia. O meu amor trabalha em refazê-la, Quando a gole ou de vez a vou haurindo... Creio que engulo estrela sobre estrela, Feita das carnes do seu corpo lindo: Já não me afundo em céus: — para contê-la, Sinto o infinito em mim abrindo... abrindo... VELOCINO [Luís Delfino] Que silêncio dormia em toda sala! (Cabe bem neste quadro a formosura) Foi meu amigo, é meu amigo, e dura, Para dar tempo; enfim quer me entregá-la. Eu murmurava cousas que murmura O amor numa hora, em que ele sonha, e fala Rimas de fogo, e as asas com brandura Abre, como quem canta, e abre uma vala. Ria, chorava, convulsava um pouco: Ela estava enleada: eu 'stava louco... Ergo-a ao leito: este riu-se, ao recebê-la... Das roupas brancas, que rasguei, despida, Entre as coxas ao ver, que a vi ferida, Era ela toda o estremecer da estrela... SONETO [Malherbe, traduzido por José Paulo Paes] Quinze anos eu passara, os primeiros da vida, Sem ter sabido nunca o que era esse furor Em que a dança do cu deixa na alma um torpor Após a ânsia viril na cona ser remida. Não que a morte tão doce e tão apetecida Não me impelisse um forte, juvenil ardor, Mas o membro que eu tinha, embora lutador Não chegava a deixar a Dama bem servida. Trabalho desde então com pertinácia rara Por compensar a perda e o tempo que não pára, Pois o sol no Poente ameaça os meus dias. Oh Deus, venho rogar-te, meu zelo ajudai: Para tão doce agir, meus anos alongai Ou devolvei-me o tempo em que inda eu não fodia! A CÓPULA [Manuel Bandeira] Depois de lhe beijar meticulosamente O cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce O moço exibe à moça a bagagem que trouxe: Culhões e membro, um membro enorme e turgescente. Ela toma-o na boca e morde-o, incontinenti Não pode ele conter-se e, de um jato, esporrou-se Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alterou-se E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente Que vai morrer: "Eu morro! ai, não queres que eu morra?!" Grita para o rapaz, que aceso como um Diabo, Arde em cio e tesão na amorosa gangorra. E titilando-a nos mamilos e no rabo (Que depois irá ter sua ração de porra) Lhe enfia cono a dentro o mangalho até o cabo. COITO IN/VER/TIDO [Marcus Accioly] Sobre duzentas almofadas postas em seu colchão (já livre de mil panos) o amor se deita e (sob mim) de costas deixa que eu tente possuir seu ânus (vou penetrando devagar) molhado está meu pênis de saliva (desço pelo avesso da carne) do outro lado (a dois dedos da vulva) eu reconheço que aquela região (o amor suporta a dor do seu prazer) estava intata e (violento) arrombo a sua porta como se fosse um bárbaro (se fosse no seu corpo um aríete) "ó mata- me" (diz o amor) "que o gozo dói de doce" COITO IN/VER/TIDO 2 [Marcus Accioly] por detrás o prazer é diferente do gozo pela frente (e pela boca e nas mãos e nas) toda a carne é pouca para tanto desejo (pela frente o amor ao próprio amor se satisfaz) mas é diverso o coito por detrás da fêmea (é como os animais copulam) existe um cio por detrás (um jeito de puxar os cabelos quando ondulam como crinas) e o gozo insatisfeito precisa de mais gozo para ser em sua plenitude e goza mais (se uma só vez o amor acontecer é preciso que seja por detrás) AH, UMA BUNDA BRANCA... [Marcus Vinicius de Freitas] Ah, uma bunda branca me emociona! O traço, a curva, desenho preciso. Matemático muro, alvo e liso, estandarte e brasão da bela dona. A bunda-ícone, bunda de neve, onde a luz da seda sinta-se sombra, onde o corpo role pela alfombra e viva de prazer, que a vida é breve. Oh, praça onde danço em apoteose! Que geômetra te sonhou na bruma? Estou tonto e quero mais, mais uma dose dessa bunda-mulher que me desanca. Se digo anca, a arma se apruma: quem diz anca, diz bunda, bunda branca. VEM SENTAR-TE [Marcus Vinicius de Freitas] Vem sentar-te comigo, Lídia, ali no canto mais escuro da varanda. O refrescante cheiro da vianda tornará chã a Arcádia de rubi inventada por poetas eunucos a quem bastava a mão na tua mão. Para mim, vale muito mais o muco da tua boceta ardida de tesão. O toque da tua mão seria bom se fosse, segurando no cacete, para tocar punheta infinita. E o leite escorreria num filete que beberias, licor de bombom, balindo — árcade — como cabrita. BODAS [Neil de Castro] Com os dedos, quase bruto, vou tocar a carnadura dos teus grandes lábios e vou além explorador abrindo as redondas clareiras do teu gozo, onde entrarei com o ímpeto sereno de macho que afaga e que deflora. Quero te ver no cio, putana, virgem, me machucando com os teus caninos, afiando as garras no meu lombo. Em represália, eu te parto ao meio, coisa frágil que és, corça de louça, que fustigada investe com tal fúria, me engole todo, me mata, me mastiga e me devolve trapo: homem após gozo. BÁLSAMOS [Nelson Ascher] Embora eu sôfrego mordisque nem tão de leve o teu mamilo vermelho a ponto de induzi-lo à rigidez que lhe condiz — querendo ainda mais, tranqüilo não ficarei sem que petisque "in loco" os bálsamos sutis que procedem — úmido sigilo — da contração de internas dobras que (enquanto delas se avizinha meu hálito) afinal desdobras para que se entredigam sábios tudo que sabem sobre minha língua teus dois pares de lábios. NOME [Olga Savary] Dar às coisas outro nome que não o vosso, amor, não pude. Nem pude ser mais doce e sim mais rude por conta das lamentações mais ásperas, por causa do agravo que pensei ser vosso. Amor era o nome de tudo, estava em tudo, era o nome do macho cheirando a esterco, a frutos passados e as raízes raras. De posse da intimidade da água e da intimidade da terra, a animais vorazes é a que sabíamos. Amor é com quem me deito e deixo montar minhas coxas em forma de forquilha e onde amor abre caminho pelas minhas águas. CÂNTICO DOS CÂNTICOS [Renata Pallottini] O meu amor é meu e eu sou dele. O linho horizontal é nossa casa e eu me aninho a dormir sob sua asa; amo-o com minha boca e minha pele. Ele é quem vela e não me diz que vele porque sua é a chama e minha a brasa. O seu fervor ao meu fervor se casa, clara coma de luz que nos impele. Desci ao campo raso: ele é meu campo onde me deito e a erva se derrama; é meu olhar que voa, pirilampo. Sem terra, irei por terra; ele me chama. Vou sem saber por onde, ao mar ou monte. Sem sua boca eu já não sei ser fonte. TERCEIRO SONETO DE "LES STUPRA" [Rimbaud, traduzido por José Paulo Paes] Franzida e obscura como um ilhós violeta, Ela respira, humilde, entre a relva rociada Inda do amor que desce a branda rampa das Alvas nádegas até o coração da greta. Filamentos iguais a lágrimas de leite Choraram sob o vento atroz que os arrecada E os impele através de marnas arruivadas Até perderem-se na fenda dos deleites. Beijando-lhe a ventosa, o meu sonho o freqüenta. A minha alma, do coito material ciumenta, Qual lacrimal e ninho de soluços usa-a. É a oliva esvaída e é a flauta agreste, O tubo pelo qual desce a amêndoa celeste, Feminil Canaã em seus rocios reclusa. [SONETO MASTURBATÓRIO] [Salvador Novo, traduzido por Glauco Mattoso] Na ausência tua, olhando teu retrato, consolo que me resta, aqui recluso, o dedo, se excitado, me introduzo pensando na banana em senso lato. Bem vejo quão vulgar é do que trato, porém te recordar me põe confuso a ponto de tomar (desculpa o abuso) por lânguido suspiro um reles flato! Se longe estás de mim, que outro remédio exceto na punheta me acalmar rendendo-te a saudade, o tempo, o tédio? Suspiro e peido formam belo par. Também combinam falo e dedo médio. Só tu, meu dono, cedes teu lugar. [SONETO FESTIVO] [Salvador Novo, traduzido por Glauco Mattoso] Brinquemos, dono meu, de bolinar! Verás que divertido, neste dia, rompermos o ano novo na folia, gozando e sonetando, a combinar! Verás, pela manhã, preliminar, nascendo com o sol, feito utopia, a efêmera impressão que a poesia tem mágico poder: desatinar! Se acaso amanhecer insatisfeito aquele que era duro, firme e forte e agora não infunde mais respeito, Não tenhas ilusões, caro consorte: um sonetinho mais, e dá-se um jeito, depois do qual, mais mole, só na morte! [SONETO 12] [Samantha Rios] Na hora da posse minha febre é tanta, Que quando estás dentro de mim, querido, Todo o meu corpo fica incandescido E em êxtase de amor, minh'alma canta. Teu corpo quente serve-me de manta E teu calor me passa tanto fluido Que louca fico a ouvir em meu ouvido Tua voz sussurrar: " — te amo, Samantha!..." Eu não me lembro, amor, então de nada... No peito pulsa pleno o coração E minha mente fica alucinada. — Enche de vida, amor, minhas entranhas, Com teus beijos sufoca minhas manhas, Com teu prazer sufoca-me a emoção! NOTA BIOGRÁFICA IV [Victor Giudice] Vinganças: uma loura, outra morena. A loura: olhos febris, americana. Morena: baixa e bela, era baiana. Amar as duas foi a dura pena. Talvez melhor amar uma centena. Momento extremo: num fim de semana, as duas belas, feras — coisa insana — rebrilham dentes. Derradeira cena. Mataram-me de amor. Que covardia. Morri de beijos. Fui assassinado por bocas venenosas. Que alegria. E um dia colorido e acalorado, uma fugiu para Salvador, Bahia, e a outra foi pra Denver, Colorado. NOTA BIOGRÁFICA I [Victor Giudice] No torvelinho de minha existência eu sigo dois caminhos conflitantes: contar os contos mais extravagantes e ter paixões de pura adolescência. Nem sempre, como ocorre com freqüência, minhas amadas são minhas amantes. E logo escuto acordes dissonantes emudecendo os sons de minha essência. E vem o medo de que as duas sinas se tornem minhas próprias assassinas e o dom de narrador então me falte. E ao ver meus pensamentos em ruínas, amordaçados por dez mil vaginas, sou dois temores numa só "gestalt". PARAÍSO ONDE AS VULVAS INFLAMADAS [Walmir Ayala] Paraíso onde as vulvas inflamadas ondulam como dunas semoventes, e mais parecem vivas e gementes quanto mais ao prazer subjugadas. E onde deslizam línguas quais serpentes cumprindo delirantes emboscadas; onde as conchas, com o sal das madrugadas, velam no abismo as ostras inocentes. Ordens que são do amor guerra perfeita, e que se cumprem sem qualquer resquício de prejuízo em campo onde se deita. Campo que é corpo, fim que está no início, cimento escuso de uma luz desfeita, virtude que cintila de ser vício. TEU CORPO É LUA E EU SOU LUAR, NA AREIA [Walmir Ayala] Teu corpo é lua e eu sou luar, na areia passeamos o ardor que se extenua no céu concreto de uma forma nua que empalidece no que se incendeia. O espaço metafísico da rua deserta, onde projeto a nossa teia de mútua solidão, ao céu se alteia onde eu sendo luar teu corpo é lua. E infiltro-me em teu ser como doença, e te sugo o vigor, a própria rosa do sangue, e te conduzo à renascença. E o vampirismo em que este ardor se dosa prolonga-se em debril convalescença e te restaura o viço enquanto goza. QUE ESTA PAIXÃO [Walmir Ayala] Que esta paixão, na qual me identifico e te construo imagem semelhança da esfinge tão antiga e tão criança, te conclua na pátina do mito. Que sejas como a Arca da Aliança redescoberta em nosso arcaico instinto; e que eu te louve como o réu contrito louva a absolvição que não alcança. Então, talvez do amor eu te conduza ao vale mais secreto e menos fundo onde baila com Deus uma Medusa. E consternado de ter sido imundo, na irracionalidade desta cruza, eu construa contigo o Fim do Mundo.
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Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes