|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Júlio Mário Salusse (Bom Jardim RJ 1872-1948)

Sua produção é reduzida, mas nem por isso lá muito preciosa. Destacou-se com o soneto dos cisnes mas não o superou em nenhum outro. Foi o suficiente, porém, para situá-lo entre os nomes de relevo do parnasianismo, o que já é bastante coisa.


CISNES

A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul, sem ondas nem espumas.

Bem cedo quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vogamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia um cisne morrerá, por certo...
Quando chegar esse momento incerto,
No lago onde talvez a água se tisne,

Que o cisne vivo cheio de saudade
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado d'outro cisne.


[ININTITULADO]

— "A minha vida é a planta, que as procelas
Sacudiram, torcendo-lhe a raiz...
Tive ambições e a mais ardente delas
Foi a da glória — e a glória não me quis!

Vi, como sombras, poéticas donzelas,
Sombras que se apagaram, como o giz...
Os sonhos meus eram batéis sem velas!
Perdi-os todos... Fui, talvez, feliz!

Sempre o destino olhei com tédio e medo,
Pois vim ao mundo muito tarde ou cedo...
Rosas plantei e a flor do mal colhi!

Ainda que pudesse, eu não quisera
Voltar à Mocidade, à primavera
De um tempo, que passou, mas não vivi!"


VISÕES DO MAR

Uns argonautas, pálida senhora,
Ambicionando o velocino d'oiro,
Para a conquista do ideal tesoiro
Fretaram naus, partiram mar em fora...

E sobre o oceano, que marulha e chora,
Abrindo a cada vaga um sorvedoiro,
Lá vão elas, buscando o ancoradoiro,
Quer morra o dia, quer desponte a aurora!

Dizei qual d'essas naus aventurosas
Há de aportar às plagas misteriosas
Da voss'alma — o sonhado velocino...

Qual será pelos deuses protegida?
Todas soçobrarão no mar da vida
Ou chegará alguma ao seu destino?


A VINGANÇA

Atravessei uma floresta um dia,
Ao galopar de alígero murzelo:
Era negra, fantástica, sombria
E terminava às portas de um castelo!

Na mão tinha um punhal que reluzia
E nos olhos a cólera de Otelo...
As árvores o vento sacudia,
Tornando tudo horrivelmente belo!

Harmoniosas e vibrantes árias
Eram cantadas pela voz dos ventos
E também longas marchas funerárias...

E pios tristes, pios agoirentos,
Partiam de altas torres solitárias
E dos muros vetustos dos conventos!


FANTASIAS (I)

Vi em sonhos as fadas — e uma d'elas,
Invejosa talvez do nosso amor,
Transformou-nos em flores amarelas
Na China, nos jardins do imperador.

Achou-nos este poéticas e belas,
Porém muito mais viva a tua cor...
Debruçava-se às vezes nas janelas
Por tua causa, amarelenta flor!

Num dia de verão pendeste na haste,
Fugiu-te a vida, lânguida murchaste,
Murchaste ao sol do exótico país!

E — seria ilusão ou não seria? —
Pareceu-me que um raio de alegria
Fulgurava no olhar da imperatriz...


FANTASIAS (V)

Jesus de Nazaré, vives no céu, contudo
Não vives lá melhor do que viveste aqui,
Pois em Jerusalém tiveste um dia tudo
E eras então somente um pálido rabi...

As filhas de Israel, quando passaste, mudo,
Rosas de Jericó jogaram sobre ti...
A Madala mostrou-te as tranças de veludo,
Foste aclamado rei do trono de Davi!

Que mais puderas ter sobre a face terrena?
Aclamaram-te rei, amou-te Madalena
E passaste depois às páginas da história...

Para qualquer mortal julgar-se venturoso
Dos gozos que tiveste é bastante um só gozo:
O amor de uma mulher ou um dia de glória!


BAILE DE MÁSCARAS

Por essas tardes pálidas de Agosto,
À minha mente o teu consórcio vem:
Naquele dia revelei no rosto
O desespero que só doidos têm...

O véu de noiva, em tua fronte posto,
Não me vedava que te visse bem:
Choraste de alegria — eu de desgosto...
E me perdeste e te perdi também!

Quando te vi de súbito perdida
Completamente para toda a vida,
Fechei os olhos para não te ver.

Tornou-se a terra para mim vazia
E desde aquele doloroso dia
Comecei de repente a envelhecer.


Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes