O PAPAGAIO
(Adaptação de O Corvo, de Edgar Allan Poe) Leonora é o meu nome Sofro um mal que me consome Porque um dia amei demais Depois que ele partiu Minha alma se feriu E não sara nunca mais Nesse desgosto profundo Para esquecer do mundo E aliviar minha dor Venho à praia deserta E com a ferida aberta Tento esquecer esse ardor "O Corvo" é o poema Que estou lendo e esse tema Me é esclarecedor Pois fala de uma paixão Como a do meu coração Padeço deste temor Meio-dia e sol a pino Amargando meu destino Num dezembro abrasador Meu rosto recebe o vento Como se fosse um alento Para abrandar o suor E a nudez do meu corpo Vai queimando pouco a pouco E eu passo um bronzeador A rede no coqueiral Nessa praia tropical Vai melhorar meu humor De repente ouço um ruído Será gente ou o cupido Que causou esse rumor Olho por trás das folhagens Nada vi nessas ramagens Não achei o causador Só um silêncio total E ninguém vi afinal Nessa tarde de calor Pra quebrar a quietude Gritei alto quanto pude O nome do meu amor Ouço o eco pelo mar Cujas ondas vem beijar Areias de branca cor E ouvindo o marulho De repente outro barulho Me causa agora um pavor Pode ser um animal Ou gente bem imoral Que momento assustador Eu disse é melhor parar Pode se apresentar Seja lá quem você for Não apareceu ninguém Pra rede voltei também E li o texto do autor Depois meio cochilando Estava quase sonhando E vi um vulto voador E rápido como um raio Vi pousar um papagaio Num totem aterrador Carranca de artesanato Feita de xaxim do mato Pelas mãos de um escultor De onde terá surgido Pássaro tão colorido Senti um certo estupor Pois era a natureza Mostrando sua beleza Num momento encantador E ficou ali me olhando Eu na rede balançando Na sombra dos coqueirais Só pra ver se ele some Eu perguntei o seu nome E ele disse: _Não, jamais! Espantei-me nessa hora Pois respondeu sem demora Com gestos tão cordiais Nunca tinha visto isso Parecia um feitiço Desses bem originais Devia ter escapado De algum dono descuidado Quem sabe de que locais E uma frase decorada Na memória gravada Com palavras sempre iguais Parecia estar sabendo Deste mal me corroendo Com dores sentimentais Perguntei-lhe se um dia Também me abandonaria E respondeu: _Não, jamais! Eu senti um calafrio Quando a ave repetiu Com olhos angelicais Uma resposta correta Parecia um profeta Dos seres elementais Mostrou me compreender Como se fôssemos ser Amigos muito leais Na resposta que me dera Da pergunta tão sincera Quando disse: _Não, jamais! E assim estremecida Fiquei na rede estendida Com calores infernais E o pássaro me olhando Como se adivinhando Os motivos dos meus ais Eu nessa melancolia Tentei ver se entendia Tais enigmas astrais Pois isso não é comum Não se dá com qualquer um Neste mundo dos mortais E parei de perguntar Pra ver se ele ia falar Outras coisas de valor Mas o animal alado Ficou quieto e calado Vendo meu interior Então naquela altura Ele sobre a escultura Com olhar acusador Seus olhos em mim fixava E perguntas esperava Num jeito provocador E nessa hora parada A brisa inesperada De um vento acalentador Incensou o ar de odores Eram perfumes de flores Senti na pele um rubor Perguntei ainda pasma Se algum anjo ou fantasma Seres espirituais Tramaram em lhe enviar Só para me consolar Disse a ave: _Não, jamais! Mas pelo amor de Deus! Diriam até os ateus Invocando o Criador A ave ao me responder Pareceu sentir prazer Ô bicho caçoador! E eu já sem duvidar Tornei a lhe perguntar De minhas dores fatais Se um remédio acharia Pra sarar minha agonia E repetiu: _Não, jamais! Mas que bicho mais danado! Meu coração disparado E no corpo um tremor Persistiu em me encarar Decidido a provocar Mais sofrimento e dor Quis saber se eu veria Meu amado algum dia Ao menos uma vez mais Em sonho ou no paraíso Ou no dia do juízo Disse apenas: _Não, jamais! Ave Maria santíssima! Ave cheia de malícia! És um caluniador! Volta para o mato adentro Pare de causar tormento Neste peito sofredor Da rede me levantei Chorando quase gritei Você já falou demais! Sobre meu pobre destino Minha vida eu mesmo assino Ele avisou: _Não, jamais! Mas ele não obedece Da carranca ele não desce E apesar de meu rancor No totem permaneceu E o sofrimento meu Era um amargo sabor E sua sombra profana Na areia se derrama Em desenhos surreais E meu corpo entra no mar Pra lágrimas derramar E não sofrer nunca mais
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Fróes.
Tchello d'Barros
originalmente em Portal Escritores 2009