[5] O SONETO BRASILEIRO

[5.1] Nenhuma tradição ou informação escrita reteve particularmente o nome do poeta que transplantou o soneto para o Brasil. É sabido, entretanto, que cabe a Manuel Botelho de Oliveira, nascido na Bahia (1636-1711), a prioridade de haver sido o primeiro poeta brasileiro que deu a lume uma coleção de poesias líricas em que se incluíram sonetos. Contemporaneamente também na cidade do Salvador, viveram e poetaram os representantes do chamado grupo baiano - Bernardo Vieira Ravasco, Domingos Barbosa, Eusébio de Matos, Gonçalo Soares da França, Gregório de Matos Guerra, José Borges de Barros, Gonçalo Ravasco Cavalcanti de Albuquerque e João de Brito Lima, todos eles ligados entre si pela comunhão da mesma poética portuguesa do tempo. (1). É possível, e até provável que, simultaneamente com Manuel Botelho de Oliveira, alguns desses pequenos poetas hajam praticado o soneto, dado o grande prestígio que esse gênero havia granjeado na metrópole, onde, desde a primeira metade do século XVI, era cultivado com insistência. [5.2] A coleção de poemas de Manuel Botelho de Oliveira tem o título de "Música do Parnaso", e foi publicada em Lisboa, no ano de 1705. Esse poeta, que versejava em castelhano, italiano, latim e português, deixou-nos vinte e dois sonetos nesta última língua, incluídos no livro citado. Estes, escritos em linguagem correta, o que era então vulgar, carecem de inspiração poética e de sentimento. [5.3] Em todo caso, nem cronologicamente cabe a esse obscuro poeta a primazia no que entende com o alvorecer do lirismo brasileiro, uma vez que essa honra, com maior relevo, deve ser conferida ao seu parceiro do grupo de poetas baianos Gregório de Matos Guerra (1633-1696). [5.4] Gregório foi individualidade típica, na primeira fase da nossa literatura. Nele se compendiaram desordenadamente o espírito lírico e o satírico, pondo-se de lado a incumbência de constituir a personificação completa do fauno, cumulativamente com a severa responsabilidade de ser, segundo o aviso de Sílvio Romero e Araripe Júnior, o fundador da literatura brasileira... Como poeta lírico, assevera José Veríssimo que "a parte séria das suas composições é genuinamente do pior seiscentismo", no que é possível haver algum exagero, porquanto Araripe Júnior observa que, na sintaxe dos versos da última fase do poeta, há algo de pouco comum com aquela que praticavam os poetas do tempo, como sejam o uso da regência direta, o parco emprego do hibérbato e a clareza do pensamento, nem sempre encontrada nos cultistas de então (2). [5.5] No que respeita propriamente ao soneto, Gregório de Matos deixou-nos alguns que não humilham nem desluzem os primórdios da nossa literatura, a par de outros que recomendam muito mal o estro do discutido poeta. [5.6] Por mais humilde que se considere esse pequeno núcleo de escritores, cuja florescência toma a segunda metade do século XVII, há de se admitir que, senão dos demais, todos de apoucado e medíocre engenho, ao menos de Gregório de Matos data a história do soneto brasileiro. Este há sido influenciado sucessivamente pelos modelos português, italiano, espanhol e francês, queremos dizer, foi clássico, romântico, parnasiano e simbolista, a seu modo. Em valor literário e artístico, correu sempre parelhas com os das literaturas imitadas, sobretudo desde Cláudio Manuel da Costa, que escreveu cerca de duas centenas deles, até Raimundo Correia, Alberto de Oliveira e Olavo Bilac, nas mãos dos quais atingiu o mais alto grau de perfeição de forma, sem falarmos da multidão de poetas de menor renome que o tem cultivado entre nós, simultaneamente com aqueles mestres, e depois deles. [5.7] Cabe, neste lugar, uma referência a Alexandre de Gusmão (1695-1753), nascido em Santos (S. Paulo), Doutor em Direito e diplomata, além de poeta. Os seus sonetos revestem-se de certa elegância, clareza e fluência de estilo, como se poderá verificar do que vai incluído no "Panorama" apenso a este ensaio; é dirigido a Júpiter, antigo deus dos Romanos, com endereço evidente e premeditadamente errado. [5.8] Após a atividade mental do grupo baiano, movimento apreciável, no que concerne ao soneto brasileiro, somente se depara com o aparecimento dos nossos poetas chamados árcades, por volta do derradeiro terço do século XVIII. Claro que a musa do soneto não esgotara a fonte; mas os sonetistas dignos de nota escassearam, como ocorreu em outras nações em que havia sido bastante cultivado. [5.9] No Brasil, a cena literária desloca-se então do Norte. Agora, é Vila Rica, em Minas Gerais, que vai ser o campo de atividade intelectual da Colônia. É a época dos sonetistas Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, José Basílio da Gama e Inácio José de Alvarenga Peixoto. [5.10] Consoante a opinião de Sílvio Romero, levamos vantagem, naquela última metade do século XVIII, à literatura decadente do Reino (3). [5.11] É Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), cronológica e literariamente, para o nosso estudo, o primeiro dentre os seus pares. Segundo o parecer de alguns críticos nacionais, os seus sonetos constituem a melhor parte da obra literária desse poeta, não obstante a fatigante uniformidade que neles se nota; singularizam-nos, em todo caso, o tom algo camoniano do estilo e a comovente nostalgia em grande parte deles encontrável. Tipos da poesia arcaica portuguesa, com alguma mescla dos defeitos dos seiscentistas, ainda assim se impõem os sonetos do nosso malogrado poeta pela boa técnica da construção do verso e pela correção da linguagem. "Por eles - comenta João Ribeiro - foi o precursor de Gonzaga, que o chamava de seu mestre. Mais tarde, Garrett o fez rival de Metastásio: a Academia de Ciências de Lisboa recomenda-o como clássico. Camilo C. Branco acha-o sob muitos aspectos superior a Bocage, outro mestre do soneto. Boutterweck, não sem exagero, considera-o o primeiro que restaurou o gosto transviado pela moda e pela decadência do seiscentismo. E se me compete opinar também aqui, digo com sinceridade que os sonetos de Cláudio em todas as literaturas latinas só têm superiores nos de Petrarca e nos de Camões". (4) [5.12] Dos outros poetas do grupo mineiro que cultivaram o soneto reteve ainda a história desse poema os nomes de Basílio da Gama (1740-1795) e de Alvarenga Peixoto (1744-1793), que nos deixaram poucas composições do gênero. Esses poetas, tanto um quanto outro, se mostram, na fatura dos seus sonetos, como que bastante aliviados da pressão dos cânones arcádicos, chegando o segundo deles a ser digno de menção especial, pelo tom algo romântico, senão moderno, leve e gracioso do soneto "Estela e Nize", que se inclui no nosso já citado "Panorama". [5.13] Quanto a Tomás Gonzaga, este foi pouco amante do soneto. Certo, às voltas com secos autos forenses e com as suas "Liras", em que lidava com o amor e os encantos da sua Marília, e também preocupado com o mister de bordar os seus próprios vestidos, no que bastante se comprazia, não lhe sobrou tempo para compor muitos sonetos. Poeta genuíno, que era, tal abstenção não terá derivado de medo às supostas dificuldades da construção do pequeno poema. [5.14] Falando verdade, já nenhum leitor contemporâneo se aventurará à leitura dos poemas de catorze versos desses poetas de outra idade, nem tão pouco à de poema de maior número de pés. O próprio Cláudio da Costa, que Alberto de Oliveira alinhou ao lado de Bocage, considerando-os, na língua portuguesa, os maiores sonetistas do século XVIII ("Os Cem Melhores Sonetos Brasileiros", Prefácio), acha-se hoje, talvez como sempre, despojado do favor público. A coletânea dos seus sonetos afigura-se-nos vasto campo árido do nosso Nordeste, em que, de onde em onde desabrocha alguma flor de cacto. Somente Alvarenga Peixoto, trazido pelo braço de duas namoradas, conseguiu chegar à esquiva estima da posteridade. [5.15] Dentre os poetas que poderemos chamar últimos clássicos têm algum direito a registro, numa história do soneto brasileiro, apesar de medíocre valor de alguns deles, os nomes do Padre Antônio Pereira de Sousa Caldas (1762-1814), José Bonifácio de Andrada e Silva (1765-1838), Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1769-1811), José da Natividade Saldanha (1796-1832), José Maria do Amaral (1813-1885), poeta elegíaco, de feitio arcádico, que nos deixou cerca de oitocentos sonetos, e Antônio Peregrino Maciel Monteiro (1804-1868), poeta galante e diplomata, ávido de torneios amorosos, que dizia ter as mãos calejadas do trato íntimo com fraldas de vestidos de seda. São quase todos figuras de reduzida estatura, precursores, mais do ponto de vista cronológico do que por qualquer outro aspecto, dos nossos poetas românticos. [5.16] A contrastar com a expressão desse quase sempre exangue classicismo, dado o seu vigor, beleza formal e adiantamento no tempo, houve, aqui, paralelo ao movimento parnasiano, interessante revivescência da estética clássica no soneto brasileiro com João Ribeiro, Alberto de Oliveira, José Albano e um tanto com Vicente de Carvalho. Fenômeno mais imputável à erudição literária daqueles poetas do que a ambiente propício ao florescimento de tal planta inatual, convém assinalar que todos, ou quase todos os sonetos de João Ribeiro são vazados nos antigos moldes ("Museon"). Alberto de Oliveira, que, nas suas primeiras obras ("Meridionais" e "Sonetos e Poemas") evidenciara acentuado pendor para a forma clássica, apareceu-nos, em hora tardia, com dois sonetos, "Taça de Coral" e "Palemo", incluídos na segunda série das suas "Poesias". São ambos obras de extremo apuro de feitura, mas de não fácil apreensão do pensamento do autor, sobretudo o primeiro deles. José Albano, poeta do século XVI tresmalhado na nossa época, foi invariavelmente delicioso camoniano. Em Vicente de Carvalho a preocupação de classicismo terá sido talvez eventual, mais denotativa de capricho literário do que de amor ao obsoleto. Deixou-nos esse poeta uma série de sonetos, "Velho Tema", que há colaborado na sua sempre viva celebridade nas nossas letras. [5.17] A história da literatura brasileira, expressa na relativa autonomia da sua produção, data da terceira década do século XIX, quando para aqui importamos o espírito do movimento literário europeu que se denomina Romantismo. Foi agora a França, e não mais Portugal, que veio presidir à nossa elaboração poética, o que, aliás, já o vinha fazendo desde 1750, mediante a influência do classicismo de Boileau, algo sensível, às vêzes, nas letras brasileiras daquele período. [5.18] O nosso Romantismo, como observa Clóvis Beviláqua, não passou de transplantação exótica, feita artificialmente, por mero espírito de imitação; acabou, entretanto, por infiltrar-se na alma brasileira, da qual fez brotar produções de caráter próprio, original. Deixou, todavia, em troca, os germes pertinazes de afetada sensibilidade na nossa poesia. Em todo caso, terá sido como que a ratificação, nas letras brasileiras, da nossa independência política. [5.19] O Romantismo, introduzido no Brasil por Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882), no ano de 1830, estendeu o seu domínio efetivo até 1870, com sincero pesar de alguns retardatários do movimento. [5.20] O soneto, naquela fase da nossa literatura, caiu em franca decadência. Raros foram os poetas da nova escola que o cultivaram, e estes ainda com mãos pouco destras. Certo, estará a razão de ser do fato nesta observação de Carlos Asselineau, já por nós citado: "o soneto, como o rondó, o triolé e outros exercícios do ritmo e da rima, constitui um sintoma em história literária. Não são cultivados e florescentes senão em épocas de forte poesia, em que a inspiração dos poetas se preocupa igualmente com o sentimento e a forma, com a arte e o pensamento". Na fase romântica, começou, entre nós, o desprestígio da parte formal do verso: a língua entrou a perder o fio da tradição castiça, a frase adotou outro feitio, a construção tornou-se menos inversa, alterou-se a maneira da colocação dos pronomes oblíquos, relaxou-se, numa palavra, a antiga disciplina. Na poesia, foi adiante o desleixo romântico: assinalou-se, não só no descuido da forma e na frouxidão da métrica, mas também no uso da pieguice sentimental e no demasiado pendor para o subjetivo, sobretudo nas subseqüentes gerações de poetas. Terminou a escola no gongorismo chamado "condoreiro". Um dos poetas românticos, Fagundes Varela, chegou a invectivar os críticos impertinentes: Lançai vossos preceitos e tratados Às chamas vivas de voraz incêndio... Alma que sente, que se inspira e canta Não conhece compêndio. [5.21] Claro está que, em tal ambiente literário, seria coisa difícil o cultivo do soneto. Escola de poesia expansiva, de feição analítica e de fundo algo doentio, como observou Goethe, e aqui chegamos a ver na do grupo de poetas que Valentim Magalhães houve por bem denominar "escola de morrer jovem" (5), era naturalmente antipático ou insuficiente ao espírito do Romantismo o molde do soneto, em que a expressão vazada em termos concisos é condição imprescindível de bom êxito na fatura do poema. [5.22] A história do soneto brasileiro menciona, naquela fase, poucos nomes de sonetistas, entre os quais o de Gonçalves Dias, Laurindo Rabelo, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, Castro Alves, Muniz Barreto, Francisco Otaviano, José Bonifácio, o moço, Teixeira de Sousa e Franklin Dória. A esse grupo devemos juntar D. Pedro de Alcântara, ex-Imperador do Brasil, que há passado por autor de sete notáveis poemas do gênero, intitulados "Sonetos do Exílio"; são certamente composições apócrifas de tendencioso caráter político, para cuja autoria verdadeira hão sido indicados os nomes do Barão de Loreto (Franklin Dória), Carlos de Laet e Afonso Celso (6). [5.23] Em Portugal e na França, como aqui, o Romantismo não produziu nem muitos nem grandes sonetos. [5.24] Por volta de 1850, a poesia francesa começou a assumir feição menos pessoal e a sentir o influxo do espírito científico e filosófico da época. Principiou, desde então, a furtar-se ao sentimentalismo romântico e a esforçar-se até por sair de si própria, isto é, das determinações do centro de gravidade do sentimento, para assim poder encarar com mais amor e simpatia os aspectos poéticos do mundo objetivo. Esse movimento, inspirado pelo influxo geral do Realismo, veio a chamar-se "parnasianismo". Consistiu a reação, em verdade, na procura de forma mais plástica para a poesia, de mais rigorosa métrica para o verso e de maior apuro na construção da frase. Continuou ainda a França a dar a senha ou a palavra de ordem aos nossos poetas, como o havia feito no decurso da fase romântica, pelo menos parcialmente. "Não houve no Brasil - diz José Veríssimo - como não houve em parte alguma, poesia a que se possa chamar de naturalista no mesmo sentido em que se fala de romance, e ainda de teatro, naturalista. É que não existe poesia sem certa dose de idealismo, incompatível com o tal naturalismo. Enganavam-se redondamente, como ao tempo lhes mostrou Machado de Assis, os imitadores indígenas de Baudelaire que nas 'Fleurs du Mal' buscavam justificação do seu realismo ou naturalismo". (7). [5.25] Em todo caso, importamos, a nosso modo e de acordo com a índole da nossa sensibilidade, a técnica e os processos usados pelos prógonos e epígonos da nova escola. [5.26] O nosso parnasianismo, de fato, sobre não ter tido nunca o exclusivismo preconizado pelos prógonos da escola francesa, refugiu sempre à preocupação de "impessoalidade", aliás só encontrável em Leconte de Lisle, Heredia e quase sempre em Leão Dierx. Aqui, sob outro céu e em outro meio, entre poetas de medíocre cultura geral e solicitados por ingênito pendor lírico, originário do próprio temperamento afetivo da raça, a estética do "Parnaso" não poderia deixar de ter sofrido sensível refração. É verdade que o nosso verso adquiriu maior relevo, se exprimiu melhor e mais refletidamente, se tornou mais belo, mais ágil e mais conciso; mas o fundo substancial do sentimento continuou a perdurar em nossa poesia. [5.27] Os primeiros vagidos do parnasianismo brasileiro acham-se referidos, nos compêndios de história da literatura nacional, ao aparecimento dos "Sonetos e Rimas" (1880), de Luís Guimarães, poeta e diplomata, nascido no Rio de Janeiro. [5.28] Luís Guimarães (1847-1898) é tido como um dos mestres do soneto brasileiro. Posto haver conquistado a admiração e o apreço de Fialho d'Almeida ("Figuras de Destaque"), como representante da nova escola, deixou-nos o ilustre poeta, aqui e ali, nos seus sonetos, certas reminiscências românticas. Há nele, entanto, aliado à graça e melodia das estrofes, além de certo laivo de ternura discreta, notado por Ronald de Carvalho, um acento nostálgico, de fina tristeza, que dá realce e encanto aos seus sonetos. Adquiriu grande voga no Brasil o intitulado "Visita à Casa Paterna", na composição do qual conseguiu superar o modelo, que teria encontrado num soneto do seu compatriota José Bonifácio, o moço. [5.29] Não menor popularidade granjeou entre nós o poema de Machado de Assis intitulado "Círculo Vicioso". "Sob o ponto de vista literário - escreveu o citado Ronald de Carvalho - este soneto é por demais conhecido para que lhe acentuemos o valor. No que respeita propriamente aos recursos da técnica, vale apontar a sua originalidade. Machado rompeu, ali, com todos os preconceitos do soneto ortodoxo, do soneto-paradigma que as famosas regras de Boileau fixaram. Em primeiro lugar, uniu todas as estrofes por sábios 'enjambements', que, muito longe de prejudicar a linha do poema, deram-lhe movimento e graça, fazendo com que o espírito girasse em torno do 'Círculo Vicioso'. Deu liberdade aos ritmos, combinando-os admiravelmente, e tirando dos alexandrinos o artifício dos hemistíquios e das cesuras forçadas. Repetiu os dois grupos de rimas até o último verso, sem resvalar na monotonia". (8) [5.30] Machado de Assis (1839-1908) deixou-nos catorze sonetos incluídos nas "Ocidentais", dos quais quatro constituem uma série, dedicada a Luís de Camões; posteriormente compôs o que denominou "A Carolina", belo e comovente poema, que obteve voga não menor do que a do "Círculo Vicioso". [5.31] Cabe, neste lugar, justa referência a Luís Delfino (1834-1910), poeta romântico, como Machado de Assis, e como este depois alistado entre os parnasianos, no consenso dos seus críticos. Produziu número incalculável de sonetos, hoje editados em cerca de uma dezena de livros. Há alguma coisa de estranho ou insólito em muitos dos seus poemas deste gênero, cujos contornos, por demasiado amplos, se esbatem, não raro, no indefinido do pensamento, senão no abstruso. Conquistaram merecida celebridade os seus sonetos "Jesus ao Colo de Madalena", "Capricho de Sardanapalo", "Moritura", "Eva", "In HerBook" e outros. [5.32] Dele disse Agripino Grieco ("Evolução da Poesia Brasileira") que "possuía qualquer coisa de um bardo celta comprimido em sonetos". [5.33] De entre os grandes sonetistas parnasianos nenhum certamente excedeu, na composição desse belo poema, a célebre trindade constituída por Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac. [5.34] Raimundo Correia (1860-1911), que parece não haver encontrado ainda, da parte da crítica nacional, justo juízo a respeito da sua obra poética (9), ora reimpressa em dois volumes, é finíssimo cinzelador de jóias, sobretudo no que concerne à seleção das poesias contidas no livro publicado em Lisboa (1898). Sempre primou no apuro da forma, na beleza e sobriedade da linguagem, na precisão do ritmo e da cor; a isto podem juntar-se, como características da sua poesia, a excelência na escolha dos temas, certo ceticismo negligente e indefinido fundo de melancolia, aliás, assinalado por D. João da Câmara, que lhe prefaciou a citada edição de poesias. [5.35] Obtiveram sobrada notoriedade, no Brasil e em Portugal, os seus sonetos "As Pombas" e "Mal Secreto", apesar de não serem inferiores a estes os poemas "O Vinho de Hebe", "Fetichismo", "Renascimento", "Amina Chloridis", "Anoitecer", "Banzo", "Vana" e ainda outros. [5.36] Alberto de Oliveira (1859-1937), por sua vez, deve ser colocado entre os mestres do soneto brasileiro. Deixou-nos grande cópia de poemas desse gênero, distribuída cronologicamente nos cinco livros que constituem hoje a sua bibliografia poética. Tem-no acusado de frieza ou pouca efusão de alma na sua poesia, o que é exato até certo ponto, principalmente nas duas ou três primeiras coleções dos seus versos. Há ali, de fato, sensível vestígio, não da técnica parnasiana, no sentido francês do termo, mas da cinzeladura clássica da estrofe. O gosto público elegeu o seu soneto "A Vingança da Porta", mas a crítica literária terá sobejos motivos para enaltecer os intitulados "Saudade de Estátua", "Magia Selvagem", "Vaso Grego", "Enfim!", "Última Deusa", "Metempsicose", "Acordando", "Solidão", "Floresta Convulsa", "O Caminho do Morro" e outros. [5.37] Acaso mais espontâneo e mais ardente no seu lirismo do que os dois poetas citados, é Olavo Bilac (1865-1918), sonetista que faz figura brilhante junto aos melhores parnasianos franceses seus contemporâneos. Filiado preponderantemente ao credo daquela escola, nas "Panóplias" e n' "As Viagens", empolgou-o mais tarde a tendência própria da raça, e foi maravilhoso lírico. Nenhum poeta brasileiro do nosso tempo obteve maior consagração pública, evidenciada nas sucessivas edições de suas "Poesias". Por último, ao declinar da vida, compôs os sonetos da "Tarde", poemas de ampla e grave inspiração, em que se encontram os maiores da língua portuguesa. Além de outros, terão sempre entusiástico acolhimento os seguintes: "Abyssus", "Pomba e Chacal", "Nel Mezzo del Camin", "Inania Verba", "Desterro", "Maldição", "O Brasil", "Hino à Tarde", "Pátria", "As Ondas", "Benedicite!", "A Rainha de Sabá", "Perfeição", "O Cometa", "Criação", "Sinfonia" e ainda o conhecido "Ouvir Estrelas" (XIII da série intitulada "Via-Láctea"). [5.38] Força-nos a carência de espaço a restringir estes pequenos comentários aos maiores representantes do chamado parnasianismo brasileiro. Não obstante isto, digamos que especial menção exigem os nomes de outros sonetistas nossos, em alguns aspectos não menores do que aqueles, que pertenceram ao antigo quadro da "escola", como sejam Adelino Fontoura, Artur Azevedo, Múcio Teixeira, Afonso Celso, Filinto de Almeida, Silva Ramos, Lúcio de Mendonça, Valentim Magalhães, Carvalho Junior, B. Lopes, Pedro Rabelo, Francisca Júlia da Silva, Guimarães Passos, Medeiros e Albuquerque, Augusto de Lima, Fontoura Xavier, Vicente de Carvalho, Silvestre de Lima, Emílio de Meneses e outros. [5.39] Em verdade, o parnasianismo brasileiro não se reduz a este pequeno quadro de adeptos. A estética da "escola", amoldada, como já foi dito, ao espírito e ao sentimento dos nossos poetas, constituiu-se como que um patrimônio da poesia nacional, naquilo que se refere ao apuro da forma artística e um tanto menos à correção vernácula. Se os excluirmos do quadro especial dos parnasianos que aqui aclimaram a escola francesa, não saberemos que classificação adotar para os sonetistas cujos nomes se seguem, escolhidos entre mais de uma centena de outros, mediante o critério da maior repercussão que tiveram os seus poemas, além dos limites das províncias de origem: Wenceslau de Queiroz, Júlia Cortines, Orlando Teixeira, Narcisa Amália, Azevedo Cruz, Rodrigo Otávio, Antônio Sales, Luís Guimarães Filho, Zeferino Brasil, Pétion de Vilar, Presciliana Duarte de Almeida, Oscar d'Alva, Maria Clara da Cunha Santos, Áurea Pires, Zalina Rolim, Teotônio Freire, França Pereira, Faria Neves Sobrinho, Aníbal Teófilo, Eugênio Savard, Fausto Cardoso, Henrique Castriciano, Félix Pacheco, Mário de Alencar, Paulo de Arruda, Padre José Severiano de Resende, Víctor Silva, Daltro Santos, Leôncio Correia, Artur de Sales, Tomás Lopes, Goulart de Andrade, Oscar Lopes, Heitor Lima, Carlos Gondim, Castro Meneses, Bonfim Sobrinho, Leal de Sousa, Martins Fontes, Aníbal Amorim, Epifânio Leite, Moacir de Almeida, Hermes Fontes, Maranhão Sobrinho, Arnaldo Damasceno Vieira, Amadeu Amaral, Augusto dos Anjos, Belmiro Braga, Marcelo Gama, Rodrigues de Abreu, Jonas da Silva, Alf. Castro, Padre Antônio Tomás, Constâncio Alves, Hermeto Lima, Júlio Salusse, Raul Machado, Luís Carlos, Júlio César da Silva, Humberto de Campos, Costa e Silva, Afonso Lopes de Almeida, Ronald de Carvalho, Alceu Wamosy, Horácio Cartier, Correia de Araújo, Raul de Leoni, Rodolfo Machado, para só indicarmos os que já tiveram a chamada consagração da morte. [5.40] Não será fora de propósito rematarmos este comentário com a observação de que poetas rigorosamente parnasianos, à feição francesa, tivemos talvez somente dois: Francisca Júlia da Silva (1874-1920) e Alfredo de Miranda Castro (Alf. Castro), pernambucano, excelente tradutor de Heredia, domiciliado no Ceará (1872-1926). [5.41] Paralelamente à decadência do Realismo francês e, pois, ao desprestígio do parnasianismo, feição daquele na poesia sua contemporânea, se iniciou, no meio literário de Paris, persistente insurreição contra a teoria da "arte pela arte", esforço que dentro de pouco tempo chegou ao extremo de subverter os cânones até então consagrados. "Começou a tornar-se sensível, nas imediações de 1885 - escreve Gustavo Lanson - a reação contra as formas duras, fixas, metálicas ou marmóreas da poesia parnasiana e contra as fotografias pretendidas impassíveis das cenas naturais... Moços que se agrupavam em escolas ou conventículos, à roda de algumas revistas de combate, declararam guerra à tradição da poesia francesa e anunciaram a alvorada da nova poesia. Conheceu o público esse movimento pelos títulos vistosos de poesia 'decadista' ou 'simbolista' e ouviu falar de versos 'livres' ou 'polimórficos', enquanto eram guindados às nuvens, com o de Baudelaire, então já falecido, os nomes de dois vivos, Mallarmé e Verlaine, cujas poesias enigmáticas de um, e vida escandalosa de outro, o aturdiam". (10). [5.42] A nova teoria, com a sua preocupação de obscuridade do pensamento, fazia os poetas da nova geração francesa retroceder, não ao Romantismo, como julgou perceber Sílvio Romero, mas a uma poesia mais subjetiva e menos artificial, de que, na própria história literária da França havia uma tentativa no processo poético de Maurício de Scève, poeta do século XVI. Esse processo consistia na expressão dos sentimentos por meio de simbolos, a que juntaram os novos poetas, não só a norma da abolição parcial das regras métricas, mas também novo processo na pintura dos aspectos das coisas, mediante o esmaecido dos tons e a preocupação da pretendida música das palavras. Referindo-se a essa poesia, declara Afrânio Peixoto, aliás um dos antigos corifeus do nosso simbolismo ("Rosa Mística", 1900), que Mallarmé, na pesquisa dessa sugestão, chegou ao hermetismo das charadas e enigmas que é a poesia mallarméiana e, atualmente, a de seu sobrinho Paulo Valéry, de quem todo o mundo fala, e a quem poucos lêem, e menos ainda compreendem (11). [5.43] Não tratou melhor Fialho d'Almeida aos simbolistas portugueses, ao criticar obras de Eugênio de Castro, porta-bandeira da escola em Portugal, e de outros corifeus do movimento, hoje completamente esquecidos: "Os simbolistas e decadistas cá de casa - diz êle - são uns rapazinhos joviais e bem portados, com a digestão fácil, a alegria pronta, e o coração sujeito a um tic-tac de que nenhuma comoção violenta altera o ritmo... O que esses moçoilos com delícia copiam são os trucs, as 'pochadas' meio arte, meio intrujice, os tonitroantes vocábulos de significação obscura, torcida, fora do seu lugar, o abuso das letras maiúsculas, e a alteração proposital enfim de todas as regras poéticas que possam pôr a metrificação ao abrigo das maluqueiras de rapazes". (12) [5.44] Importou o Brasil o simbolismo, ora diretamente da França, ora através de Portugal, dada a transplantação do movimento para ali pelo citado Eugênio de Castro, Guerra Junqueiro ("Os Simples", 1892) e, a seu modo, por Antônio Nobre, à volta da última década do século XIX. [5.45] Coube a Cruz e Sousa, o poeta negro, a chefia presuntiva da nova escola literária no Brasil. Essa adaptação, na opinião de Sílvio Romero, não foi mais que um retorno, consciente ou não, ao Romantismo, naquilo que este tinha de melhor e mais significativo ("Evolução do Lirismo Brasileiro"). [5.46] Cruz e Sousa (1862-1898), que os teoristas do nosso simbolismo apresentam como profeta estranho, "revivescência de um núbio contemporâneo de Davi" (13), que teria trazido a senha exotérica decifradora de todos os mistérios artísticos, foi um grande e belo poeta, que ainda hoje relemos com prazer. A sua tristeza nativa, a revolta de quem se considerava réprobo social por fatalidade étnica, no seio de uma sociedade atrasada e mesquinha, tudo isto, em contraste com a consciência íntima que tinha ele do próprio talento, deu aos seus sonetos, bárbaros, obscuros e enfáticos, admirável consonância com o caráter de transvio e fuga da reação simbolista. - Merecem leitura atenta, sobre o "caso Cruz e Sousa", algumas páginas de Djacir Meneses, constantes da obra "Evolução do Pensamento Literário no Brasil" (Organização Simões, Rio, 1954). [5.47] O nosso simbolismo, posto não ter sido absolutamente medíocre, afigura-se tal, a julgar pelo esquecimento em que jazem os nomes dos seus epígonos; salvante o citado e admirável Cruz e Sousa, excelente mestre do soneto, Alphonsus de Guimaraens (1871-1921), místico como Verlaine, um dos maiores poetas da escola, B. Lopes (1859-1916), que foi, acaso, poeta "precioso", em vez de simbolista propriamente dito, Mário Pederneiras (1868-1915), Silveira Neto (1872-1824), Nestor Victor (1868-1932), Emiliano Perneta (1866-1921), Pétion de Vilar (1870-1924), A. J. Pereira da Silva (1876-1944), Flexa Ribeiro (1883), o mais autêntico poeta simbolista no sentido francês do termo, todos os mais - Oscar Rosas, Azevedo Cruz, Wenceslau de Queirós, Félix Pacheco, Araújo Figueiredo, Arcangelus de Guimaraens, Lívio Barreto, Ricardo de Lemos, I. Xavier de Carvalho, Adolfo Araújo, Cunha Mendes, Emílio Kemp, Gonçalo Jácome, Maurício Jobim, Narciso Araújo, Euclides Bandeira, Saturnino de Meireles, Tristão da Cunha, J. Itiberê da Cunha, Aristides França, Álvaro Reis, Domingos de Almeida e algumas dezenas de outros - não conseguiram acolhida para os seus nomes na memória das gerações que se sucederam. [5.48] Desses poetas, uns, egressos do parnasianismo, a este volveram, mais tarde, outros foram simultaneamente parnasianos e simbolistas, e ainda outros, tateantes cristãos-novos da escola, não chegaram a saber o que desejavam, no que os favorecia a própria inconsistência dos princípios básicos do sistema poético escolhido. [5.49] Após esse rápido movimento literário, operado na nossa poesia nos últimos anos do século XIX, e que se circunscreveu quase exclusivamente ao Rio de Janeiro e a algumas províncias do Sul do país, nomeadamente às de Santa Catarina e Paraná, nenhuma outra doutrina literária veio tomar o governo dos espíritos, salvo e parcialmente o chamado "modernismo", surgido no decênio de 1920, o qual em nada interessa à história do soneto brasileiro. Este, todavia, continua a ser cultivado, senão com o apuro de forma característico dos parnasianos, ao menos com certa elegância artística e bom gosto, em que pese à legião de maus poetas que não se cansa de lhe invadir os sacros domínios. [5.50] A título de complemento ilustrativo à matéria do presente capítulo, houvemos por bem anexar a este ensaio, como "apêndice", reduzida coletânea de espécimes do soneto brasileiro, com a qual temos em vista ressaltar o ritmo da sua evolução histórica e o seu caráter como obra de arte. Não se trata, é certo, de uma "antologia", organizada segundo as normas geralmente adotadas na composição de seleções do mesmo gênero; consiste a coletânea, como se verá, em simples exposição do "panorama do nosso soneto", na sua marcha ascendente, do século XVII ao século XX, com os seus raios e as suas sombras, para maior inteligência e elucidação do que deixamos resumidamente exposto no aludido capítulo. [5.51] Faz-se necessário esclarecer que coartou parcialmente o nosso intento, ao organizar o citado "panorama", a necessidade de atender às dimensões do volume do mesmo ensaio, pelo que tivemos de nos valer do recurso de coligir somente pequeno número de sonetos de autores que já receberam a aliás bem triste consagração da morte, com prejuízo de outros, também notáveis, de poetas vivos, que se orgulham de manter a tradição legada por Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac, na arte da lapidação do insuperável poema.
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