Certa meia-noite fria, quando, exausto, eu refletia
sobre uns quantos alfarrabios de ciências medievais
quando eu ia adormecendo, alguma coisa ouvi batendo
e ao de leve, remexendo, remexendo em meus portais.
São sinais - eu murmurei - de alguém batendo em meus portais -
é só isso e nada mais


Ah, me lembro claramente! Aquele inverno era inclemente
e a lareira, em brasa ardente, urdia formas espectrais!
Eu queria a luz do dia; - era em vão que tanto lia
para ver se me esquecia das saudades imortais
d'uma noiva a quem Lenora chamam anjos celestiais
e, aqui, nome não tem mais.


E o sedoso farfalhar d'uma cortina a balançar
assustou-me - deu-me uns medos como nunca tive iguais!
O pavor me dominou, mas a Razão preponderou:
É um amigo que chegou e está chamando em meus portais -
a visita se atrasou e está esperando em meus portais;
isso é tudo e nada mais.


Reagi na mesma hora; e, em voz alta, sem demora:
"Meu senhor - disse - ou senhora, por favor me perdoais?
É que eu estava sonolento, e o vosso toque foi tão lento,
mal calando a voz do vento, mal cruzando os meus umbrals,
que custei a tomar tento..."- e, falando, abro os portais;-
noite escura e nada mals.

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excertos da tradução de Helio do Soveral
em Edgar Allan Poe por Hélio Soveral, trad. Hélio do Soveral, Acaso Cultural, Rio de Janeiro, 2023

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Fui abrir uma vidraça - quando então, com pompa e graça
por mim passa um Corvo dos bons tempos memoriais.
Tal um lorde petulante, revoou, por um instante
E pousou, duro e arrogante,
Dominou os meus umbrais
Sobre um busto de Minerva que domina os meus umbrais -
aquietou-se, e nada mais.


Ante a ave negra e tesa, 
disfarcei minha tristeza
E sorri para a nobreza de seus gestos teatrais.
"Sem coroa e tosquiado - eu disse -
és rei ou condenado?
Velho Corvo desgarrado das paisagens noturnais -
Teu senhor te pôs um nome, nas paragens infernais?"
Disse o corvo: "Nunca mais".

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