Ensaios Críticos,
Anseios Crípticos
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Diego Castilhos Petrarca


O paranaense Paulo Leminski saiu da cena da literatura brasileira há quase quinze anos, mas ainda podemos perceber sua contribuição não apenas para a poesia pós-moderna como também para a teoria literária. Sabe-se muito do poeta Leminski, que começou publicando em 1975 um antiromance escrito em prosa poética ou, como ele mesmo dizia, em proesia, influenciado pela inovação de linguagem através da palavra montagem lançada por Joyce em Finnegans Wake. Depois Leminski publicou poesia, livros como Não fosse isso, Caprichos e Relaxos, Distraídos Venceremos, os póstumos La Via em Close, O Ex-Estranho. Escreveu também biografias como as de Cruz e Souza e Bashô, traduziu autores como Mishima e Jonh Lennon, esboçou novelas como Agora é que são elas, Guerra Dentro da Gente (infanto-juvenil), Gozo Fabuloso (inédita), fez inúmeras letras de música, introduziu a forma construtivista japonesa do haicai, assumiu a poesia visual fazendo verso na tela, no grafitti, no outdoor, na televisão, poesia sobre fotos e pinturas. Em sua produção poética foi modernista até o fim, incorporando como ninguém desde a grande ruptura de 22 até a poesia marginal dos anos 70. Paulo Leminski captou as mensagens mais básicas e vitais do modernismo brasileiro, que resultou uma poética afiada com a linguagem do seu tempo, através da síntese, da ironia, adicionadas a uma inclinação de poesia concreta à geléia geral do tropicalismo.
Além de tudo isso, Leminski fez também teoria literária. O livro Ensaios Crípticos, lançado em 1986, reúne uma compilação de textos teóricos sobre poesia, arte e literatura organizados pelo poeta e sua ex-mulher, também poeta, Alice Ruiz. Nesse livro Leminski apresenta-se como grande conhecedor da nossa história literária através de um texto leve e didático, informativo, diferente do que se costuma ler em teoria literária, quando a linguagem se faz acadêmica e dificultosa. O fato de esses textos estarem longe de um academicismo, não compromete a contribuição de Leminski para crítica literária. Em tom de crônica, de ensaio, de texto para sala de aula, Ensaios Crípticos revela um autor que, além de poeta inventor, foi também informado refletindo sobre o andamento da literatura brasileira e das artes que a ela estão relacionadas.
Um dos textos desse compilado teórico de Leminski é Teses, Tesões. Nesse texto, o autor de Catatau expõe uma comparação entre as práticas poéticas anteriores e posteriores ao ano de 1922, explosão e surgimento da poesia moderna liderada por Oswald e Mário de Andrade. Escreve Leminski na abertura do texto: "Com o modernismo de 22, o poeta brasileiro largou de ser aquele bom selvagem, doce bárbaro, indígena silvícola, nativo do país da linguagem, a ser estudado, pensado e falado por esses etnólogos vindos das poderosas regiões da Teoria, caras pálidas, que hoje chamamos críticos". Na abertura do texto, o poeta atenta ao fato de que, antes da ruptura antropófaga, o poeta poetava e o crítico criticava, teorizava a respeito do poema. A verdade é que Paulo Leminski estava certo, nenhum poeta brasileiro significativo do século XIX pensava o exercício da reflexão sobre o fazer poético. No modernismo de 22, a poesia veio calcada de teoria, e só passou a existir devido ao esforço teórico de seus autores para consolidar suas propostas de vanguarda importada do modelo europeu via Oswald de Andrade. Toda proposta desse autor nasceu colada em teoria, quase complemento do que fazia em literatura: Manifesto Antropófago, Poesia Pau-Brasil, todas suas revoluções de forma e conteúdo trouxeram junto a necessidade da teorização, da explicação das propostas. Leminski ainda aponta que Mário de Andrade, outro líder modernista, chegava a ter a contribuição da sua poesia quase esmagada pela teorização, sobre escrever sobre a ação poética, havia força e novidade tanto em sua literatura desvairada quanto na sua crítica bem aplicada: "toda tentativa de mudança exige reflexão, é preciso repensar a rota" afirma o teórico Leminski, que compara os poetas anteriores ao ano de 22 como sonâmbulos que seguiam os automatismos da tradição herdada dos modismos: "A poesia era uma resposta, 22 a devolveu a sua condição de pergunta". No mesmo artigo Leminski ainda fala em Drummond, quando o poeta mineiro lançou em 1930 seu primeiro livro Alguma Poesia, o grande herdeiro das riquezas do modernismo brasileiro incorporou a reflexão ao fazer poético, de forma explícita, e boa parte da produção do Itabirano consiste nessa reflexão: "lutar com palavras / é uma luta vã...".
A grande questão que Paulo Leminski aborda em seu texto é que o grande desafio está em definir a poesia depois das conquistas modernistas, considerando o fato de que não se sabe mais onde está a poesia ou para onde ela vai. Em que consiste afinal esse ato discursivo lógico/não-lógico em que toda liberdade é cabível? Onde está, afinal, o sentido? Para tanto, Leminski se apropria das definições de alguns poetas consideráveis da nossa literatura que atuaram justamente nessa época em que o dilema poesia se estabeleceu após o modernismo. Quem não reflete, repete. Para Vinícius de Moraes a poesia tem sentido na audição: música popular; para João Cabral de Mello Neto: na visão, arquitetura, arte plástica. A poesia concreta recupera Cabral e gera um campo mais amplo, rigoroso e radical do que o Modernismo, a teoria é valorizada e até mesmo não faltou quem dissesse que, na poesia concretista, faltou poesia e sobrou teoria. Leminski, ao falar da sua produção, afirma ter sentido a necessidade de reflexão, pois atrás dele estava todo um exemplo de modernidade, de Oswald até o Concretismo, em meados dos anos 60 e 70 não havia mais espaço ao "bardo ingênuo e puro" e inovação e comunicação (duas tendências irreconciliáveis) eram essenciais a uma prática poética agora pós-moderna. Não está errada a idéia de que tudo o que veio depois do modernismo Oswald/Concretismo em poesia brasileira parece dialogar e exercitar todas as aberturas permitidas pelas poéticas anteriores. A possível contribuição da poesia pós-moderna talvez tenha sido assumir e consolidar a confluência das práticas modernas, assumidamente heterogênea e libertária. O exemplo disso é a própria poesia de Leminski, ao mesmo tempo Oswaldiana e concreta, filtrada pela síntese do haicai. Como disse ele: "Preferi apresentar no espaço-tempo de um só livro, o panorama de um pensamento mundano". Muitos poetas, por estarem cientes da necessidade de reflexão para a busca de inovação ou mesmo para a compreensão despretensiosa de uma poética, tornam-se não mais poetas, mas teóricos, professores de literatura, críticos.
Paulo Leminski foi de fato um poeta notável, por vislumbrar a necessidade de uma reflexão e conseguir fazê-la no livro Ensaios Críticos, paralelamente a sua produção poética.



Diego Castilhos Petrarca

 

*OBS.: Publicado originalmente no site da revista virtual Palávora, da Uniritter, em 14/06/2004.

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