[3] O SONETO COMO POEMA POLIGLÓTICO

[3.1] Não ousamos dizer que o soneto é um poema "universal", porque o emprego deste adjetivo poderá oferecer margem a justificável reparo da parte de algum leitor que estime a precisão absoluta no uso dos termos. [3.2] Entretanto, não será ocioso afirmar-se que, a par da sua significação própria, admite aquela palavra certa significação relativa, não raro até exigida pela necessidade de síntese e de força de expressão, na maneira de transmitirmos os nossos pensamentos aos outros homens. Assim, soneto, poema "universal", não teria a acepção de ser o soneto composição poética adotada por todas as literaturas do globo, tanto as ocidentais como as orientais. Significaria somente que o uso deste pequeno poema de procedência siciliana se acha vastamente generalizado, no seio das literaturas cultas, que são, de fato, as que nos interessam. [3.3] Com efeito, a faixa geográfica do soneto está circunscrita aos países em que se falam as línguas românicas, nomeadamente a Itália, a Espanha, Portugal e a França, com as suas colônias ultramarinas, e aos países da América espanhola e portuguesa. Dos citados países há o mesmo poema, no decurso do tempo, alargado a sua zona de influência, tendo chegado, assim, à Inglaterra, à Alemanha, à Bélgica, à Holanda, à Suécia, à Polônia, à Checoslováquia e à Rússia, mas, nessas regiões, em caráter de adventício, com exceção da Inglaterra, onde conseguiu aclimação mais preponderante. É digno de menção o fato de ser a poetisa Elisabete Barrett Browning autora de uma obra poética intitulada "Sonnets from the Portuguese". [3.4] Em todo caso, o título de poema "poliglótico" ninguém recusará ao soneto, dado o recurso das traduções, que o têm feito conquistar o apreço e a admiração do mundo culto. [3.5] Por maior que seja, em certos casos, a sedução que exerçam sobre o nosso espírito as obras poéticas, antigas e modernas, dos outros povos, cada um de nós só se sente em completa intimidade com os poetas da própria nação, visto encontrar, na sua poesia, o ar da pátria, das suas montanhas e das suas planícies. [3.6] Esta observação é de Davi Strauss, que acrescenta: "É possível que Shakespeare seja maior que Goethe; é possível também que Sírio seja maior que o nosso Sol; mas não é Sírio que amadurece as nossas uvas" ("A Antiga e a Nova Fé", apêndice). [3.7] É inegável o fato. Entretanto, tal apego àquilo que é nosso, sobre constringir-nos o espírito, sempre ávido de mais amplos horizontes, é prejudicial à cultura literária e à própria inspiração dos poetas. [3.8] Nasceu desse pequeno conflito natural o recurso das traduções - processo difícil e penoso, em face da exigência de máxima fidelidade no trasladar-se qualquer poema para línguas estrangeiras. [3.9] Os poetas brasileiros, como os das demais nações, têm procurado, apesar disso, obviar ao obstáculo que lhes defronta a diferença de idiomas, e nem sempre se hão mostrado inábeis em tão torturante tarefa. [3.10] O soneto, pela relativa exeqüibilidade de tradução, em conseqüência do reduzido número dos versos que o compõem, acha-se em primeiro lugar entre os demais poemas, no que respeita à possibilidade de tomar nova roupagem artística em outra língua. Constitui eloqüente exemplo disso a seqüência desses poemas em línguas estrangeiras trasladados à nossa por poetas brasileiros, adiante dispostos em ordem de proceder o leitor ao confronto com as respectivas traduções. [3.11] Devemos pôr em evidência que a arte de traduzir, no Brasil, tem vindo em constante aperfeiçoamento, no que se refere à fidelidade das mesmas versões, outrora não raro deturpadas por fugas aos originais e por interpretações pouco felizes. De Luís Delfino, Raimundo Correia, Lúcio de Mendonça, Fontoura Xavier e outros, por exemplo, a Antônio Sales, Alf. Castro, Alberto Faria, Gustavo Barroso, Beni Carvalho, R. Magalhães Júnior, Onestaldo de Pennafort, Olegário Mariano, Guilherme de Almeida e alguns mais, não deixa de ser bastante sensível o progresso no mais ingrato dos processos literários. [3.12] Seguem-se as traduções, na escolha das quais foi adotado, tanto quanto possível, certo critério antológico: [3.13.1] LES CONQUÉRANTS (José Maria de Heredia) Comme un vol de gerfauts hors du charnier natal, Fatigués de porter leurs misères hautaines, De Palos de Moguer, routiers et capitaines Partaient, ivres d'un rêve héroique et brutal. Ils allaient conquérir le fabuleux métal Que Cipango mûrit dans ses mines lointaines, Et les vents alizés inclinaient leurs antennes Aux bords mystérieux du monde Occidental. Chaque soir, espérant des lendemains épiques, L'azur phosphorescent de la mer des Tropiques Enchantait leur sommeil d'un mirage doré; Ou penchés à l'avant des blanches caravelles, Ils regardaient monter en un ciel ignoré Du fond de l'Océan des étoiles nouvelles. [3.13.2] OS ARGONAUTAS (Tradução de Raimundo Correia) De Palos - como, a errar, longe do azul natal, Os gerifaltos vão... - em chusmas, audaciosos, Ávidos capitães, pilotos cobiçosos, Partiram navegando empós de estranho ideal... Vão conquistar além, das minas do metal, Que Cipango entesoura, os veios fabulosos; Sonham, boiando em luz, países misteriosos, Praias, climas, regiões do mundo ocidental... Sulcam assim, mar alto, infatigavelmente, Miragens tropicais, longe, enganosamente, Esboçam construções e torres de ouro no ar... E eles à proa vão das alvas caravelas, Vendo só, despenhado em turbilhões de estrelas, Todo o infinito céu sobre o infinito mar... [3.13.3] Ressente-se de vários defeitos graves a tradução transcrita, entre os quais são evidentes os de omissões, de translações forçadas e de fugas ao original. Este último defeito culminou no falseamento da idéia central do soneto francês, condensada no segundo terceto. [3.13.4] A seguinte versão de Gustavo Barroso corrige a tradução de Raimundo Correia, e reconstitui o alto pensamento do poeta d' "Os Troféus": [3.13.5] OS CONQUISTADORES (Tradução de Gustavo Barroso) Como deixam falcões a montanha natal, No anseio de fugir a uma pobreza altiva, De Palos de Moguer partia a comitiva De ousados capitães para um sonho brutal. Iam buscar, enfim, o fulgente metal, Que do Cipango flui como riqueza esquiva. E do alísio fiel a força sempre viva Velozmente os guiava ao mundo ocidental. Cada noite, a esperar da glória as alvoradas, Do amplo mar tropical o fosfóreo vestido O seu sonho enfeitou de miragens douradas. E, curvados das naus nas alterosas cristas, Viam nascer além, num céu desconhecido, Novas constelações, estrelas nunca vistas. [3.14.1] L' ETRANGER (Sully Prudhomme) Je me dis bien souvent: De quelle race es-tu? Ton coeur ne trouve rien qui l'enchaine ou ravisse, Ta pensée et tes sens, rien qui les assouvisse: Il semble qu'un bonheur infini te soit dû. Pourtant, quel paradis as-tu jamais perdu? A quelle auguste cause as-tu rendu service? Pour ne voir ici-bas que laideur et que vice, Quelle est ta beauté propre et ta propre vertu? A mes vagues regrets d'un ciel que j'imagine, A mes dégoûts divins, il faut une origine: Vainement je la cherche en mon coeur de limon; Et, moi-même étonné des douleurs que j'exprime, J'écoute en moi pleurer un étranger sublime Qui m'a toujours caché sa patrie et son nom. [3.14.2] O ESTRANGEIRO (Tradução de Antônio Sales) Pergunto muita vez: De que raça és nascido? Nada há que tenha o dom de prender-te e encantar-te; Nada que o pensamento e os sentidos te farte; Fazes supor que um bem infindo te é devido. Que paraíso, entanto, hás tu jamais perdido? De que causa suprema empunhaste o estandarte, Para ver só miséria e vício em toda parte, Que virtude e beleza inatas te hão nutrido? À saudade de um céu, que eu entrevejo obscuro. Ao meu tédio divino uma origem procuro, Que em meu peito de argila indistinta se some... E, das dores que exprimo a espantar-me o primeiro, Sinto chorar em mim um sublime estrangeiro Que sempre me ocultou sua pátria e seu nome. [3.14.3] O ESTRANHO (Tradução de Rafael Simon) "De que país és tu?" - a mim mesmo inquirindo, Quantas vezes tentei penetrar no segredo Da saudade em que vou meus dias consumindo, Como se fora a terra um perene degredo. Que paraíso, entanto, abandonei, que cedo Cada vez mais me fui órfão de um céu sentindo? Para achar feio o sol e achar o mel azedo, Mel mais doce provei ou gozei sol mais lindo? Uma causa procuro à infinda nostalgia Que me estringe de dor, me aperta, me angustia, E entre os sonhos e o tédio a vida me consome. E, sem saber eu mesmo o que esta dor exprime, Ouço chorar em mim um estranho sublime Que sempre me ocultou sua pátria e seu nome. [3.15.1] POUR TOUJOURS (François Coppée) "Pour toujours!" me dis-tu, le front sur mon épaule. Cependant nous serons séparés. C'est le sort. L'un de nous, le premier, sera pris par la mort Et s'en ira dormir sons l'if ou sous le saule. Vingt fois, les vieux marins qui flânent sur le môle Ont vu, tout pavoisé, le brick rentrer au port. Puis, un jour le navire est parti vers le Nord, Plus rien. Il s'est perdu dans les glaces du pôle. Sous mon toit, quand soufflait la brise du printemps, Les oiseaux migrateurs sont revenus, vingt ans; Mais, cet été, le nid n'a plus ses hirondelles. Tu me jures, maîtresse, un éternel amour; Mais je songe aux départs qui n'ont point de retour. Porquoi le mot "toujours" sur los lèvres mortelles? [3.15.2] PARA SEMPRE (Tradução de Antônio Sales) Murmuras: "Para sempre!" ao meu ombro inclinada. Nossa separação virá, no entanto. É a sorte. Um de nós, o primeiro, há de encontrar a morte, E do chorão dormir sob a triste ramada. Vinte vezes, do cais, já vira a marujada Ao molhe regressar o brigue de alto porte; Mas um dia se fez de rumo para o Norte, E o Polo o sepultou sob o gelo. Mais nada. Vinte anos ao beiral, com a primavera, o bando De andorinhas volveu, jubiloso, chilrando; Mas o verão chegou, e eu não as vejo mais. Juras de eterno amor teus doces lábios soltam... Mas eu penso no adeus dos que vão e não voltam... Porque a palavra "sempre" em boca de mortais? [3.16.1] LE RÉCIF DE CORAIL (José Maria de Heredia) Le soleil sous la mer, mystérieuse aurore, Eclaire le forêt des coraux abyssins Qui mêle, aux profundeurs de ses tièdes bassins, La bête épanouie et la vivante flore. Et tout ce que le sel ou l'iode cobre, Mousse, algue chevelue, anémones, oursins, Couvre de pourpre sombre, en somptueux dessins, Le fond vermiculé du pâle madrépore. De sa splendide écaille éteignant les émaux, Un grand poisson navigue à travers les rameaux; Dans l'ombre transparente indolemment il rôde; Et, brusquement, d'un coup de sa nageoire en feu Il fait, par le cristal morne, immobile et bleu, Courir un frisson d'or, de nacre et d' émeraude. [3.16.2] A MADRÉPORA (Tradução de Alberto Faria) Dentro do mar o Sol, maravilhosa aurora, Ilumina o brenhal de abissínios corais, Que mescla, à tepidez dos seios abismais, A florescida fauna e a luxuriante flora. E tudo quanto o sal, ou quanto o iodo cora, Musgo, anêmona, ouriço e algas filamentals, Cobre, a púrpura escura, em linhas triunfais, O alvi-rendado chão que o pólipo elabora. Esmaltes a apagar da escama resplendente, Entre os ramos navega um peixe senhoril. Eis que moroso vaga à sombra transparente... Mas, pronto, a barbatana em fogo ele desfralda E, no imoto cristal de esmaecido anil, Acende um tremor de ouro e nácar e esmeralda! [3.17.1] LE HUCHIER DE NAZARETH (José Maria de Heredia) Le bon maître huchier, pour finir un dressoir, Courbé sur l'établi depuis l'aurore ahane, Maniant tour à tour le rabot, le bédane Et la râpe grinçante ou le dur polissoir. Aussi, non sans plaisir, a-t-il vu, vers le soir, S'allonger jusqu'au seuil l'ombre du grand platane Où madame la Vierge et sa mère sainte Anne Et Monsegneur Jésus près de lui vont s'asseoir. L'air est brûlant et pas une feuille ne bouge; Et saint Joseph, très las, a ialssé choir la gouge En s'essuyant le front au coin du tablier; Mais l'Apprenti divin qu'une gloire enveloppe Fait toujours, dans le fond obscur de l'atelier, Voler des copeaux d'or au fil de sa varlope. [3.17.2] A TENDA DE NAZARÉ (Tradução de Alf. Castro) O mestre carpinteiro um bufete deseja Pronto, e desde a manhã sobre o banco se afana; Ora maneja a lima, ora a raspa, na insana Canseira, ora o formão, ora a plaina maneja. Também, de tarde, viu, com alegria sobeja, Do plátano chegar à porta da cabana A sombra, a que se vão sentar a mãe, Sant'Ana E a esposa com Jesus, para que perto os veja. Nem uma folha treme; o ar abrasa, pesado; A goiva São José deixa cair, cansado, E limpa no avental o suor que a testa ensopa. Mas o Aprendiz divino, envolvido num halo, Da tenda a um canto, faz saltar, sem intervalo, Belas aparas de ouro, ao gume da garlopa. [3.18.1] LE CAUCHEMAR D'UN ASCÈTE (Maurice Rollinat) La vipère se tint debout sur ma savate, Me fascina, fondit sur moi du premier coup, Et se laissant glisser de ma tête à mon cou, Me fit une onduleuse et sifflante cravate Puis elle déroula ses longs anneaux; et fou, Tout mon corps, possedé du monstre à tête plate, Ressentit au milieu d'une brume écarlate La froide ubiquité d'un enlacement mou. Mais voilà que la bête, humectant son oeil louche, Prit des seins, des cheveux, des membres, une bouche, Et resserre ses noeuds d'un air passionné: "Oh, redeviens, serpent! hurlai-je, horrible dame, "J'aime mieux, si je dois mourir empoisonné, "Cent morsures d'aspic qu'un seul baiser de femme!" [3.18.2] PESADELO DE ASCETA (Tradução de Alf. Castro) A serpente se ergueu sobre a minha alpercata, Fascinou-me, caiu sobre mim, num momento, E em torno do pescoço, em brusco movimento, Enroscou-se, formando ondulosa gravata. Depois, desenrolou seus anéis, lento e lento, E, presa do reptil de testa larga e chata, Meu corpo, então, sentiu, numa bruma escarlata, A frieza glacial de um mole enlaçamento. De repente, o animal, com os olhos d'água cheios, Tomou boca, e tomou cabelos, membros, seios, Cerrando mais os nós, com ar apaixonado. - "Tua forma - exclamei - de serpente recobra: Prefiro, se é mister que morra envenenado, A um beijo de mulher cem picadas de cobra!" [3.19.1] TRISTESSES DE LA LUNE (Charles Baudelaire) Ce soir, la lune rêve avec plus de paresse; Ainsi qu'une beauté, sur de nombreux coussins, Qui, d'une main distraite et légère, caresse, Avant de s'endormir le contour de ses seins. Sur le dos satiné des molles avalanches, Mourante, elle se livre aux longues pâmoisons, Et promène ses yeux sur les visions blanches Qui montent dans l'azur comme des floraisons. Quand parfois sur ce globe, en sa langeur oisive, Elle laisse filer une larme furtive, Un poète pieux, ennemi du sommeil, Dans le creux de sa main prend cette larme pâle, Aux reflets irisés comme un fragment d'opale, Et la met dans son coeur loin des yeux du Soleil. [3.19.2] TRISTEZAS DA LUA (Tradução de Martins Fontes) Hoje, a lua, a sonhar, mais pálida e mais fria, Tem, reclinada sobre os coxins siderais, O langor feminil de quem acaricia, Antes de adormecer, os seios virginais. Sobre o fofo cetim das nuvens, desmaiada, Nos céus, passeando o olhar, vê surgirem visões, Que argênteas, no palor da noite iluminada, Ascendem para o azul, como alvas florações. Quando, às vezes, na terra, amorosa e discreta, Ela deixa cair uma gota de opala, Uma lágrima irial, de tons de catassol, Sobre a concha da mão, notâmbulo poeta Toma-a, para, furtiva, ir piedoso guardá-la Dentro do coração, escondendo-a do sol. [3.20.1] SOLEIL COUCHANT (José Maria de Heredia) Les ajoncs éclatants, parure du granit, Dorent l'âpre sommet que le couchant allume; Ao loin, brillante encor par sa barre d'écume, La mer sans fin commnence où la terre finit. A mes pieds c'est la nuit, le silence. Le nid Se tait, l'homme est rentré sous te chaume qui fume; Seul, l'Angélus du soir, ébranlé dans la brume, A la vaste rumeur de l'Ocean s'unit. Alors, comme du fond d'un abîme, des traînes, Des landes, des ravins, montent des voix lointaines De pâtres attardés ramenant le bétail. L'horizon tout entier s'enveloppe dans l'ombre, Et le soleil mourant, sur un ciel riche et sombre, Ferme les branches d'or de son rouge éventail. [3.20.2] SOL OCÍDUO (Tradução de Raul Machado) O tojo, que na rocha, enfeitando-a, se apruma, Redoura os alcantis, que o sol poente ilumina; Longe, eterno, a alvejar numa franja de espuma, O mar sem fim começa onde a terra termina. Tudo em torno é silêncio, e se apaga, e se esfuma; O homem recolhe à choça, o pássaro não trina; Somente um campanário, em vibração na bruma, Junta ao rumor do oceano a prece vespertina. Do vale, da planície e da quebrada, estranho, Sobe, agora, um confuso e longínquo murmúrio De pastores levando ao redil o rebanho. Roxo manto de sombra o horizonte recama E o sol poente, num céu angustiado e purpúreo, Fecha as palhetas de ouro ao seu leque de chama. [3.21.1] LES DEUX CORTÈGES (Josephin Soulary) Deux cortèges se sont rencontrés à l' église. L'un est morne: - il conduit le cercueil d'un enfant; Une femme le suit, presque folle, étouffant, Dans sa poitrine en feu, le sanglot qui la brise. L'autre, c'est un baptême: - au bras qui le défend Un nourrisson gazouille une note indécise; Sa mère, lui tendant le doux sein qu'il épuise, L'embrasse tout entier d'un regard triomphant! On baptise, on absout, et le temple se vide. Les deux femmes alors, se croisant sous l'abside, Echangent un coup d' oeil aussitôt détourné; Et - merveilleux retour qu'inspire la prière - La jeune mère pleure en regardant la biére, La femme qui pleurait sourit au nouveau-né! [3.21.2] OS DOIS CORTEJOS (Tradução de Júlio Maciel) A dois cortejos se abre a igreja. Um em sombria Tristeza vem: - conduz de um anjo o esquife estreito; Segue-o aflita mulher, e quase tresvaria, Os prantos a afogar no escandecido peito. É o outro um batizado: - e na faixa macia Se agita o pequenito; a mãe, com mimo e jeito, Dá-lhe o inefável seio e o afaga e acaricia E o abraça, a rir, radioso o gesto, em triunfo o aspeito Do templo batizado e enterro vão-se embora. Súbito, as duas mães se encontram... nesse instante, Uma, furtivo olhar, no olhar da outra demora. E - dolorosa cena, oh! lance edificante! A jovem mãe que ria ao ver o esquife, chora, E a que chorava ri, ao contemplar o infante! [3.22.1] LA CHAMBRE CLOSE (André Payer) Tu vis là, toujours lá. C'est ta chambre... Elle reste telle que ta jeunesse en orna le décor. Chaque objet t'appartient; on volt sourire encor, au mur, le doux profil de Béatrice d'Este... Ta présence est partout éparse, manifeste. Le lit garde ta forme, on dirait qu'elle y dort, et, dans un vieux bahut, tes robes de tussor en chacun de leurs plis éternisent un geste... Le soleil, chaque jour, continue à venir te visiter tandis qu'en secret je t'apporte, moi, mon coeur, tout mon coeur, lourd de ton souvenir. Et j'ai soin, en partant, de bien clore la porte, pour que la chambre puisse à jamais retenir le parfum de ton souffle, ô ma vivante morte! [3.22.2] ALCOVA FECHADA (Tradução de Júlio Maciel) Vives. Na tua alcova o teu viver não finda. Tais com as mãos juvenis tu própria os dispuseste, Vejo os objetos teus; vejo a sorrir-me ainda, Na parede, o perfil da suave Beatriz d'Este... Há vida nesta alcova e é só de ti provinda, Pois nada existe aqui que não te manifeste. Vives: dorme em teu leito e tua forma linda, Dir-se-á que o teu vestido ainda aqui te veste. Inda por ver-te, o Sol a tua alcova invade. E aqui, a sucumbir desta saudade ao peso, Trago-te o coração - transbordando saudade. E, ao partir, cauteloso, eu cerro bem a porta, Para que fique eterno em tua alcova preso Teu hálito aromal, ó minha Viva-Morta! [3.23.1] LE BAIN DES NYMPHES (José Maria de Heredia) C'est un vallon sauvage abrité de l'Euxin; Au-dessus de la source un noir laurier se penche, Et la Nymphe, riant, suspendue à la branche, Frôle d'un pied craintif l'eau froide du bassin. Ses compagnes, d'un bond, à l'appel du buccin, Dans l'onde jaillissante où s'ébat leur chair blanche, Plongent, et de l'écume émergent une hanche, De clairs cheveux, un torse ou la rose d'un sein. Une gaîté divine emplit le grand bois sombre. Mais deux yeux, brusquement, ont illuminé l'ombre. Le Satyre!... Son rire épouvante leurs jeux; Elles s'élancent. Tel, lorsqu'un corbeau sinistre Croasse, sur le fleuve éperdument neigeux S'éffarouche le vol des cygnes du Caystre. [3.23.2] O BANHO DAS NINFAS (Tradução de Luiz Carlos) A cena é um vale inculto e do Euxino abrigado, Acima de uma fonte um lourelro se inclina. E tendo-se-lhe a ninfa a um ramo pendurado, Rindo, a medo, com o pé roça a água cristalina. Outras ninfas, de um salto, ao toque da buzina, Mergulham na onda a flor dos corpos sem pecado; E emerge, então, da espuma a graça feminina Num torso... num quadril... num seio alvi-rosado. Divino júbilo enche o bosque oculto em sombra... Mas, súbito, o fulgor de dois olhos o assombra: É o Sátiro, sorrindo... E as náiades medrosas Precipitam-se, como, ao crocitar sinistro De um corvo, sobre o rio abrindo asas nervosas, Debandam em revoada os cisnes de Caístro [3.24.1] IL BOVE (Giosué Carducci) T'amo, o pio bove; e mite un sentimento Di vigore e di pace al cor m'infondi, O che solenne come un monumento Tu guardi i campi liberi e fecondi, O che al giogo inchinandoti contento L'agil opra de l'uom grave secondi: Ei t'esorta e ti punge, e tu co'l lento Giro de' pazienti occhi rispondi. Da la larga narice umida e nera Fuma il tuo spirto, e come un inno lieto Il mugghio nel sereno aèr si perde; E del grave occhio glauco entro l'austera Dolcezza si rispecchia ampio e quïeto Il divino del pian silenzio verde. [3.24.2] O BOI (Tradução de Olegário Mariano) Amo-te, ó pio boi! Um sentimento de vigor e de paz tu me ofereces quando, impassível como um monumento, o olhar nos campos verdes adormeces, Preso à canga, momento por momento, mais útil e paciente me pareces. O homem te ordena e tu, no macilento volver dos olhos tristes, lhe obedeces. Pela tua narina escura e fria teu espírito passa e é um hino ardente teu mugido cortado de agonia. E em teu olhar, que pelo azul se perde, se esconde, longe e dolorosamente, verde, a planura do silêncio verde. [3.25.1] LOS LAGOS (Santos Chocano) Copia el lago en sus vidrios palpitantes Cuanto se asoma en su contorno vago, Como si fuera el voluptuoso halago De una coqueteria de gigantes. Llega un río cual sarta de diamantes; Y, por virtud de milagroso mago, En el fondo del bosque deja un lago Como un collar de chispas relumbrantes. Al ver el lago, entonces, se dijera Que la larga serpiente que antes era Se ha ensortijado entre la selva hosca; Porque asi son, en la montaña andina, El río una serpiente que camina Y el lago una serpiente que se enrosca... [3.25.2] OS LAGOS (Tradução de Faustino Nascimento) O lago, em seus espelhos palpitantes, Reflete o que há no seu contorno vago, Como se fosse o volutuoso afago De uma galanteria de gigantes. Um rio, como sarta de diamantes, Vem sob a ação de milagroso mago E, no fundo do bosque, deixa um lago, Como um colar de chispas cintilantes. Dir-se-ia, ao ver-se o lago então surgido, Que a serpente, que ele antes tinha sido, Se anelou na floresta em que se embosca. Tal, nos Andes, assim se delineia: O rio - uma serpente que coleia - E o lago - uma serpente que se enrosca... [3.26.1] JALOUSIE (Cecile Perin) D'autres femmes ont ri dans tes yeux, je le sais, D'autres ont murmuré les mots que je murmure: Et tu gardes en toi, comme un trésor secret, Le souvenir d'autres baisers, d'autres blessures. Ce que je sais me fait souffrir - ce que je sais! Mais, mon ami, ce que j'ignore me torture! Je voudrais te verser l'oubli total, et n'ai Que mon amour à t'apporter comme une eau pure. Je voudrais effacer de tes yeux tous les yeux, Briser comme un miroir l'éclat mystérieux Des souvenirs au fond de ton âme ignorée; Je voudrais aspirer ta vie en un sanglot, Posséder ta jeunesse ivre, grave et sacrée... Et j' entends en ton coeur résonner mille échos! [3.26.2] CIÚME (Tradução de Guilherme de Almeida) Outras mulheres te sorriram, bem o sei, E murmuraram já o que a minha voz murmura: E tu guardas em ti, tesouro de algum rei, Recordações de outro prazer, de outra amargura. Tudo o que sei me faz sofrer - tudo o que sei! Mas, meu amigo, o que eu ignoro me tortura! Quis dar-te o esquecimento: e apenas encontrei, Para trazer-te, o meu amor como água pura. Eu quisera apagar, no teu, qualquer olhar; Quebrar, como um espelho, o brilho singular Da saudade no fundo esquivo de tua alma; Sorver num beijo só tuas recordações, Possuir-te a mocidade ardente, grave e calma. E ouço, em teu coração, bater mil corações! [3.27.1] Á FELIPE II (Amado Nervo) Ignoro qué corriente de ascetismo, qué relación, qué afinidad abscura enlazó tu tristura y mi tristura y adunó tu idealismo y mi idealismo. Mas sé por intuición que un astro mismo surgió de nuestra noche en la pavura, y que en mi como en ti libra la altura un combate fatal con el obismo. !Oh rey, eres mi rey! Hosco y sañudo también soy; en un mar de arcano duelo mi luminoso espíritu se pierde Y escondo como tú, soberbio e mudo, bajo el negro jubón de terciopelo el cáncer implacable que me muerde. [3.27.2] A FILIPE II (Tradução de Cruz Filho) Ignoro que corrente de ascetismo, Que relação, que afinidade obscura Da minha fez irmã tua tristura E fundiu em um só nosso idealismo. Mas sei que um astro mau - a intuição diz-mo - Surgiu da nossa noite na espessura, E que em mim, como em ti, se empenha a altura Em combate mortífero com o abismo. Ó rei, és o meu rei! Torvo e sanhudo Também sou; sobre um mar de pesadelo Voga minha alma, sem que à praia aborde; E escondo, como tu, soberbo e mudo, Sob o negro gibão de terciopelo, O câncer implacável que me morde. [3.28] Não menos digno de nota e ilustrativo, porque revela grau superior de cultura literária, é, sem dúvida, o labor de alguns poetas nossos que compuseram sonetos em línguas estrangeiras ou passaram àquelas línguas sonetos de poetas brasileiros. [3.29] Transcrevem-se, em seguida, vários exemplos desses processos literários, entre os quais figuram algumas traduções de sonetos brasileiros feitas por poetas estrangeiros: [3.30.1] CÍRCULO VICIOSO (Machado de Assis) Bailando no ar, gemia inquieto vagalume: - "Quem me dera que fosse aquela loura estrela Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!" Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme: - "Pudesse eu copiar o transparente lume, Que, da grega coluna à gótica janela, Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!" Mas a lua, fitando o sol, com azedume: - "Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela Claridade imortal, que toda a luz resume!" Mas o sol, inclinando a rútila capela: - "Pesa-me esta brilhante auréola de nume... Enfara-me esta azul e desmedida umbela... Por que não nasci eu um simples vagalume?" [3.30.2] CERCLE VICIEUX (Tradução de Gomes Ribeiro) Tournoyant dans les airs gémit un ver-luisant: - "Pourquoi ne suis-je pas cette étoile là haut Qui brûle dans l'azur son éternel flambeau?" Et l'étoile, à la lune, jalouse, se plaignant: - "Si je pouvais avoir la transparente lueur Que du grec fronton contemple doucement La face aimable et chère, au balcon, un moment"... Et la lune, au soleil, frémissante d'aigreur: - "Hélas! Que n'ai-je pas cette splendeur si belle De l'éternel foyer du jour éblouissant!" Mais le soleil, baissant son auréole sur elle: - "Pour moi ce disque immense est un fardeau pésant... Oh! comme je la haïs, cette éclatante ombrelle! Pourquoi ne suis-je né un simple ver luisant?" [3.31.1] AS POMBAS (Raimundo Correia) Vai-se a primeira pomba despertada... Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas De pombas vão-se dos pombais, apenas Raia sanguínea e fresca a madrugada... E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada... Também dos corações onde abotoam, Os sonhos, um por um, céleres voam, Como voam as pombas dos pombais; No azul da adolescência as asas soltam, Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam, E eles aos corações não voltam mais... [3.31.2] LES COLOMBES (Tradução de Hipólito Pujol) De pourpre et de fraîcheur déjà l'aube rayonne... Et du nid maternel voilà que prend l'essor Une colombe... une autre... et puis une autre encor, Et puis toute la bande enfin nous abandonne. Mais quand au froid brumeux d'un triste vent d'automne Souffle de l'horizon le noir enfant du nord, La bande vagabonde, en un joyeux transport, Retourne au pigeonnier, s'empresse et tourbillone. Ah! nos songes si doux, tous couronnés de fleurs, L'un après l'autre aussi s'envolent de nos coeurs Ainsi que de leurs nids les colombes s'envolent; Dans l'azur du jeune âge ils prennent l'essor; mais A leur vieux pigeonnier les colombes revolent. Et... nos songes, hélas! ne retournent jamais! [3.31.3] LAS PALOMAS (Tradução de Enrique Bustamante y Ballivian) Va al cielo la primeira paloma despertada, otra más tarde, y otra, y después, por decenas, se van las palomas del palomar, apenas raya, teñida en sangre, fresca la madrugada. Y por la tarde, cuando la rigida nortada sopla, a los palomares de nuevo ellas, serenas, sacudiendo las alas de luz y cielo llenas, regresan a su nido revolando en parvada. También del corazón, donde abren como flores, uno a uno los sueños se marchan voladores, cual se van las palomas dejando el palomar; la azul adolescencia ve abrirse sus volares, huyen... Y la paloma vuelve a los palomares, y al corazón aquellos nunca han de regresar. [3.31.4] COLUMBAE (Tradução de Risclério Berto) It prima columba expergefacta It et alia, atque alia, denique denae Columbae a columbariis eunt, vix Lux prima apparet frigida atque cruenta. At vespere, cum fortissimi aquilones Afflant, ad columbaria, denuo serenae Quatientes alas et pennas percutiendo Cunctae gregatim volantesque redeunt. Ab imis cordibus, etiam, unde criuntur Somnia singula celeria volant Sicut a columbariis volant columbae. In caeruleam adolescentiam alas explicant, Fugiunt... Ad columbaria tamen redeunt columbae, Ast illa ad pectora, heu! minime redeunt. [3.32.1] MAL SECRETO (Raimundo Correia) Se a cólera que espuma, a dor que mora N'alma, e destrói cada ilusão que nasce, Tudo o que punge, tudo o que devora O coração, no rosto se estampasse; Se se pudesse o espírito que chora Ver através da máscara da face, Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse! Quanta gente que ri, talvez, consigo Guarda um atroz, recôndito inimigo, Como invisível chaga cancerosa! Quanta gente que ri, talvez existe, Cuja ventura única consiste Em parecer aos outros venturosa! [3.32.2] MAL SECRET (Tradução de Carlos Porto Carreiro) Si la haine qui bave et la douleur tenace Qui nous prend, qui détruit chaque rêve moquer, Si tout chagrin poignant, qui ronge plus d'un coeur, Du fond de notre moi montait à la surface, Si, rien qu'en enlevant le masque d'une face, On y voyait l'esprit qui pleure son malheur, Combien de gens dont nous envions le bonheur Nous feraient-ils plutôt pitié sous leur grimace! Et combien il en est qui cachent dans leur sein Hélas! un ennemi secret, affreux, malsain, Comme un chancreux dérobe au jour sa plaie immonde! Que de drames hagards sous des regards joyeux! Que de gens ici-bas, ne sont peut-être heureux Qu'en ce qu'ils font semblant de l'être aux yeux du monde! [3.33.1] ANOITECER (Raimundo Correia) Esbraseia o Ocidente na agonia O sol... Aves em bandos destacados, Por céus de ouro e de púrpura raiados, Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia... Delineiam-se, além, da serrania Os vértices de chama aureolados, E em tudo, em torno, esbatem derramados Uns tons suaves de melancolia. Um mundo de vapores no ar flutua... Como uma informe nódoa, avulta e cresce A sombra à proporção que a luz recua... A natureza apática esmaece... Pouco a pouco, entre as árvores, a lua Surge trêmula, trêmula... Anoitece. [3.33.2] ANOCHECER (Tradução de Enrique Bustamante y Ballivian) Incendia el Ocidente en su agonia el Sol... Aves, en vuelos destacados por cielos de oro y púrpura rayados, huyen... Cierra sus párpados el dia. Delinea la distante serrania sus vértices de llamas aureolados, y a todo, en torno, esfuma, derramados, sus tonos suaves la melancolia... El aire mece un mundo de vapores... Crece en informe mancha en el paisage la sombra, al apagarse los fulgores... La natura serena languidece... Poco a poco la luna entre el follaje surge trémula, trémula... Anochece. [3.34.1] SÓ (Olavo Bilac) Este, que um deus cruel arremessou à vida, Marcando-o com o sinal da sua maldição, - Este desabrochou como a erva má, nascida Apenas para aos pés ser calcada no chão. De motejo em motejo arrasta a alma ferida... Sem constância no amor, dentro do coração Sente, crespa, crescer a selva retorcida Dos pensamentos maus, filhos da solidão. Longos dias sem sol! noites de eterno luto! Alma cega, perdida à toa no caminho! Roto casco de nau, desprezado no mar! E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto; E, homem, há de morrer como viveu: sozinho! Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar! [3.34.2] SEUL (Tradução de Beni Carvalho) Celui qu'un dieu cruel a jeté dans la vie, D'un terrible anathème est marqué sur le front; Il rappelle, ici-bas, l'herbe que nous ferons Sécher, tout en naissant, sous les pieds, rabougrie. Il entraïne, en raillant, son âme dépérie... Inconstant dans l'amour, en son coeur tout au fond, Les désirs malfaisants soufflent comme un typhon Dans l'épaisse forêt de sa haine noircie. De longs jours sans soleil! Des nuits que l'on redoute! Âme aveugle, éperdue, errante sur la route! Triste épave en débris rejetés par la mer! En homme, il finira comme un arbre stérile, Et mourra tel qu'il fut, - pauvre morceau d'argile: Tout seul! sans pain! sans jour! sans Dieu! sans foi! sans air! [3.35.1] BENEDICITE! (Olavo Bilac) Bendito o que, na terra, o fogo fez e o teto; E o que uniu a charrua ao boi paciente e amigo; E o que encontrou a enxada; e o que, do chão abjeto, Fez, aos beijos do sol, o ouro brotar do trigo; E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo; E o que os fios urdiu; e o que achou o alfabeto; E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo; E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano; E o que inventou o canto; e o que criou a lira; E o que domou o raio; e o que alçou o aeroplano... Mas bendito entre os mais, o que, no dó profundo, Descobriu a Esperança, a divina mentira, Dando ao homem o dom de suportar o mundo! [3.35.2] BENEDICITE (Tradução de Gomes Ribeiro) Beni soit celui qui a fait le toit, le feu, Qui à la charrue lia le boeuf apprivoisé; Qui sut trouver la bêche et du sol, comme un jeu, Aux baisers du soleil fit germer l'or du blé; Et qui forgea le fer; et l'artiste pieux Qui à l'àtre et au berceau la tombe a relié; Qui créa les tissus, l'alphabet merveilleux, Et au premier mendiant a fait la charité; Et qui à la mer lâcha la quille et à l'air le pan; Qui inventa le chant; qui engendra la lyre; Et qui dompta la foudre et leva l'aéroplan; Mais benie, parmi tous, la pitié profonde D'où est née l'Espérance, illuslon en delire, Qui nous rend la valeur pour supporter le monde! [3.36.1] OUVIR ESTRELAS (Olavo Bilac) "Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso! " E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto... E conversamos toda a noite, enquanto A via-láctea, como um pálio aberto, Cintila. E ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: "Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?" E eu vos direi: "Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas". [3.36.2] AUDIRE STELLAS (Tradução de Mendes de Aguiar) Euge, dicetur: - stellas exaudire! Vere effrenata te movet amentia! Ut autem videam lumina pallentia, Mihi lubet in fenestras advenire... E lectulo mihi gratum prosilire Ut astra Viae Lacteae colloquentia Exaudiam; quando solis refulgentia Scintillat, astra vellem invenire!... Dicetur nunc: - oh mens exagitata! Quid aiunt enim sidera argentata? Quare sensum eorum nobis celas? - Oportet (palam dicam) vos amare: Quia amantis est donum singulare Aures potiri intelligendi stellas!... [3.37.1] LE VIEIL ESTOC (Pétion de Vilar) Ce vieil estoc si lourd, damasquiné d'argent, Au long fourreau d'ébène, à la sonore lame Sur laquelle est inscript un vers à Notre-Dame, Et qui de loin parait encor rouge de sang; Cette arme appartenait, voici presque mille ans, A Dom Egas Muniz - mon grand aïeul - dont l'âme, Dure comme l'airain des casques éclatants, Pliait comme un roseau sous le doigt d'une femme. Quand, bannières au vent, heaume en tête, entouré De soldats, il soufflait dans l'olifant doré, Les corbeaux, croassant, volaient tous sur sa trace... De ce preux, que Camoêns chante en son vers ailé, Il ne reste que moi - fantôme d'une race - Et ce morceau de fer inutile et rouillé. [3.37.2] O VELHO ESTOQUE (Tradução de Álvaro Reis) Este velho e pesado estoque tauxiado De prata, em negra bainha a lâmina sonora, Onde um verso se lê feito a Nossa Senhora E ressumbra ainda o sangue aos mouros derramado, Há dez séculos quase, ele era manejado Por Dom Egas Muniz, - meu nobre avô de outrora, Cuja alma senhoril vergava, brônzea embora, Às mãos de uma mulher como um vime delgado. Quando, guiões ao vento, e de elmo entre os guerreiros Embocava o olifante, arrastando-os em massa, Os corvos a grasnar seguiam-no agoureiros. Deste herói, que Camões canta em versos que rugem, Não resto senão eu - fantasma de uma raça, E este inútil troféu coberto de ferrugem. [3.38.1] L'IARA (Pétion de Vilar) Quand le fleuve est désert, quand la lune est absente, Aux sourds gémissements funèbre des bambous, On entend une voix monotone et dolente, Où pleure un long bémol mélancolique et doux. Cette voix sort de l'eau, de terre, ou ne sait d'où, Lourde d'amour... Fuyez!... c'est l'Iara qui chante... Ses regards font mourir et sa chanson rend fou; Fuyez vite, fuyez la rive ensorcelante! Plus d'un jeune indien rêveur, en l'écoutant, A disparu, traîné par son bras caressant Au fond mystérieux d'un grand palais de nacre. Et cet amant d'une heure, après l'affolement Du suprême baiser, l'Iara le massacre Pour lui prendre le coeur qu'elle mord en riant. [3.38.2] A IARA (Tradução de Beni Carvalho) Se o rio está deserto, e se a lua anda ausente, Ao surdo sussurrar funéreo dos bambus, Escuta-se uma voz monótona e dolente Em que chora um bemol que doçuras traduz. Vinda d'água ou da terra, e toda amor, ardente, Donde sai, não se sabe, essa voz que seduz. Canta a Iara! Fugi dessa riba aliciente: Seu olhar mata e o canto à loucura conduz! Mais de um índio bem moço, ouvindo-a, sonhador, Por seu braço é arrastado ao fundo misterioso De um palácio encantado, em carícias de amor. E esse amante de uma hora, a Iara, após sentir O seu beijo supremo, em delirante gozo, Mata-o para morder-lhe o coração, a rir. [3.39.1] ALMA (Jonas da Silva) Alma! finge que és má, sendo assim como as pombas, Embora sendo assim como as pombas tão mansa; Apostrofa a velhice e detesta a criança, Deseja ver a terra explodir como as bombas. Afirma que alta noite em lupanares tombas, Nessa orgia em que o corpo em mil delírios cansa; Elogia a desgraça, elogia a matança E aplaude sobre o barco os vagalhões e as trombas. Diz que a sede do sangue humano te consome E deseja aos que vão em procura de um Norte Os demônios do frio e os demônios da fome. Alma! atira no azul o desprezo profundo, Pois que a tribo dos maus é tão grande e tão forte, Que é preciso ser mau para ser bom no mundo! [3.39.2] SPLEEN (Tradução de Göran Björkman) Min själ, i ondskans kalla mask dig kläd latsas ej om, att du har dufvans sinne! Af hat mot barn som aldringar du brinne, och jublande at andras fall dig gläd! Sprid ut, att ingen frukt pa syndens träd det finns, hvars smak ej lefver i ditt minne! Splitet ditt skadoglada bifall vinne - Gör allt att gifva näring at dess säd! Säg, att af blodtörst dina läppar bränna, och önska dem, som ha ett annat mal, att de ma köldens kval och hungerns känna! Härda i dolskt förakt din viljas stal! Ty minns, sa stort är ondskans öfvermod, att den blott, som är ond, kan vara god! [3.40.1] OS CISNES (Cruz Filho) Ao longo do juncal, que implexo e denso avança, Abrindo, à orla do bosque, amplo círculo, estende A superfície azul o amplo lago, em bonança, Que, entre vergéis em flor, belo e fundo resplende. Enrugando o cristal, que um raio oblíquo acende, De um quadro de Dupré a avivar a lembrança, De cisnes um casal a ígnea planura fende, Ao longo do juncal, que implexo e denso avança. Alvos, nobres, lá vão, ambos riçando as asas, Entre as águas e o céu, por um solo de brasas, A afagar um ao outro os refulgentes flancos. Param. Falam de amor... Quem nos dera, querida, Fôssemos nós também, pelo lago da vida, Como aquele casal de ternos cisnes brancos... [3.40.2] LES CYGNES (Tradução de Henri Allorge) Le long du champ de joncs, qui dans les eaux s'avance, Au bord du bois, ouvrant un grand cercle, s'étend Le miroir azuré du lac en somnolence, Qui parmi les vergers met son orbe éclatant. Ridant le pur cristal, plein d'un reflet ardent, - D'un tableau de Dupré me vient la souvenance - Deux cygnes glissent, sur l'or fondu de l'étang, Le long du champ de joncs, qui dans les eaux s'avance. Blancs et nobles, ils vont, lissant tous deux leurs ailes, Entre le ciel et l'eau luisante d'étincelles, L'un l'autre caressant la splendeur de leurs flanes. Ils s'arrêtent. L' amour les joint... O ma chérie, Puissions-nous traverser l'ardent lac de la vie, Comme ce couple heureux de tendres cygnes blancs! [3.41] CRÉPUSCULE (Pétion de Vilar) Quand le soleil s'en va, nageant sur les mers grises, Comme un brulot énorme aux étincelles d'or, Sous de vieux manguiers hauts comme des églises, J'éleve mon Esprit, pendant que ma Chair dort. C'est l'heure solennelle où la vague se brise En sanglotant; où l'Ombre est grosse de remords; Où les graves bémols lugubres de la brise Font pleurer les Vivants et tressillir les Morts. C'est l'heure où l'on entend l'âme triste des Choses; Où la Forêt nous parle; où s'épousent les roses, L'heure des songes bleus et des blasphêmes sourdes; Où l'Homme se souvient qu'il fut un ange et prie, En écoutant passer sur la terre endormie De grands souffles muets, d'Agonie et d'Amour. [3.42] SONNET (José Albano) How sweet it is after the strife of day To rest profoundly in the arms of night, Forgetting sorrow, dreaming of delight That dwelleth in the heavens, far away. The winged thoughts leave this dark earth and stray I'the sky above the stars so pure and bright, Trying to filch one ray of golden light, Which strangely glimmers on the Milky Way. But Time, full of fierce wrath and cruelty, Doth hurry on each hour that comes and goes, And swiftly do our happy moments flee. Night fades away and with it ends repose - And rising morning brings relentlessly Death to my dreams and life to all my woes. [3.43] L'EVENTAIL (Aloísio de Castro) Ce petit éventail tout monté em dentelles, Qui guarde dans ses plis tant de secrets galants, Où Venise en gondole a passé ses élans, Au siécle des grandeurs qu' on croyait immortelles, Bijou du dix-huitième aux maîtres artisans, Il a dans une branche un mot qui nous rapelle, Au bal, le feu brûlant au coeur de tant de belles Que la danse alanguit aux bras des courtisans: 'Retenez cet amour, que vaus faut-il encore? Puisqu'il est éternel, puisque je vous adore?" Femmes, ne craignez pas du temps l'épouvantail! Aimez! Mais prenez garde au vent qui tout emporte! Pour que l'amour dans l'infini ne se transporte, N'agitez pas trop fort dans l'air votre éventail... [3.44] Ao terminarmos este agradável passeio mental através da figuração do soneto brasileiro nos ritmos de algumas línguas estrangeiras, vale pôr, aqui, como termo à bela jornada, este curiosíssimo capricho poliglótico que é o célebre soneto composto em catorze idiomas (respectivamente, hebraico, italiano, flamengo, escudra, árabe, espanhol, islandês, gótico, dinamarquês, tupi, alemão, português, francês e latim), pacientemente organizado por Pétion de Vilar, pseudônimo que levará à posteridade o nome do notável médico baiano Doutor Egas Muniz Barreto de Aragão (1870-1924): [3.45] SONETO EM CATORZE LÍNGUAS (Pétion de Vilar) Adon! Scalon lecha im ischar al, Infaticabilmente agili e presto, Steere ilc ken spreack ander geen tal Bear guh, Parola, harm egeh desto! Nin hur, mnabotin dagousch davosth, Rimas que estalan como castanuelas; Och bcelca akmane ekk Brasil dost By ek fur jorth stath undir elc stéelas! "Lulu" endeh geg med, inged tung kreisen, Iquê talaçu lenca suayá... Lass mich, "Parola", hoch dich preisen! Não são coisas banais esses decênios; Allons! Fais comme Horace; crie; "Hourrah"! Monumentum exegi aere perenius! [3.46] (TRADUÇÃO: "Mestre! Nos domínios espinhosos do verso, infatigavelmente ágil e presto, tudo fizeste sentir; e até parece que não sabes outra linguagem, senão a do verso, "Parola", tu que brincas com as rimas, como se fossem borboletas! Somente tu, no violão das coisas alegres, sabes imaginar rimas que estalam como castanholas, provocando a gargalhada do Brasil inteiro, como outrora os alegres bandos da Hélade! Sinto, "Lulu", sério embaraço para terminar este soneto. É aqui que a porca torce o rabo... Deixa-me, "Parola", que te exalte olimpicamente. Não são coisas banais esses decênios. Vamos, faze como Horácio, grita: "Hurra! ergui um monumento mais durável que o bronze!" [3.47] O soneto transcrito foi composto a título de saudação aniversária a "Lulu Parola", criptônimo literário do poeta humorista Aloísio de Carvalho.
[4] →

Site desenvolvido por Pop Box Web Design.