BOCAGE, O DESBOCCADO;
BOCAGE, O DESBANCADO

 

selecção, introducção e notas de

GLAUCO MATTOSO

 




 

INTRODUCÇÃO


A fama do portuguez Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) não se divide apenas em "boa" e "má", isto é, entre a modelar poesia arcadica ou romantica e a malexemplar poesia fescennina: esta mesma é motivo de controversia, a partir do poncto em que foi renegada pelo proprio auctor. Não vou aqui esmiuçar factos e versões de fontes e perversões. Limito-me a resgatar, para divulgação na rede virtual, a parcella expurgada da producção bocageana, tal como fiz com as "obras livres" de Laurindo Rabello, successor de Bocage no Brasil. Ao seleccionar e annotar os sonetos eroticos do lusitano, não pude, sem embargo, manter-me indifferente a uma hypothese apocrypha que vem incommodando alguns biographos e historiadores. Que Bocage era genial não cabe duvida, como não se desmente a vida devassa que dá respaldo a seus versos. O que intriga o pesquisador é a tendencia a attribuir ao maldicto obras que elle mesmo admittia serem de outrem, mas que editores e leitores "preferiam" que fossem delle, seja por admiração ou diffamação. Hoje não dá para propor revisionismos no que ja se tornou lendario. Resta simplesmente registrar algumas auctorias, que, si fossem cabalmente restabelecidas, dariam a entender que pelo menos o sonetario pornographico pertenceria a nomes menos conhecidos, sinão obscuros.

Citam-se entre os indicios o facto de que o soneto VI teria sido repudiado por Bocage, sob allegação do typo "si fosse meu, o verso 8 ficaria assim ou assado" (nota 3); ou o facto de que o soneto XXXII, que ja parece requentado em comparação com um anonymo do seculo anterior (nota 14), figura em certas anthologias como assignado pelo Abbade de Jazente (vulgo de Paulino Antonio Cabral de Vasconcellos, 1719-1789). Mas a mim parece mais interessante verificar que grande parte dos sonetos mais sexualmente descriptivos e desreprimidos foi achada num caderno onde, segundo algumas fontes, constava o nome de Pedro José Constancio (1778?-1819?), cuja biographia ainda não figura nas encyclopedias e compendios litterarios. Alem do que vae referido na nota 16, vale accrescentar alguma parca informação sobre esse meu xará de cuja obra Bocage teria se "appropriado".

Irmão dum prestigiado escriptor (Francisco Solano Constancio, auctor, entre diversos tractados, duma HISTÓRIA DO BRASIL), o Pedro que tambem foi Podre morreu, sem completar seus quarenta, antes de 1820 e viveu marginalmente, entre a putaria e a loucura. Ou, como se cita, "Enfermidades geradas pelos excessos venereos a que se dava, sem escolha nem reserva, o levaram a um estado valetudinario, atrophiando-lhe as faculdades, e tornando-o incapaz de toda a applicação." Filho dum cirurgião da corte de Dona Maria I, chegou a bacharelar-se em canones pela Universidade de Coimbra, mas só se tem noticia de seu convivio com os poetas contemporaneos (entre os quaes Bocage e José Agostinho) justamente porque estes costumavam interceder em seu favor quando era perseguido e punido pelo comportamento antisocial, ou seja, quando era preso por se exhibir pellado em publico ou por escrever poemas como o soneto XLVIII, que, segundo denuncia ao intendente da policia, era "licencioso" e allusivo à "fornicação dos cães dentro das egrejas". Entre os poucos poemas de Constancio que appareceram impressos está o soneto que reproduzo na nota 16, o qual foi (1812) incluido "por enganno" pelo editor das obras de Bocage e excluido (1820) na reedição.

Fundamentada ou não, a polemica sobre os sonetos bocageanos ou constancianos permanesce secundaria deante do proposito desta selecta, que é introduzir no cyberespaço outra pequena parcella do inexgottavel "veio subterraneo" (como dizia José Paulo Paes) da poesia vernacula: a fescennina. Assim pago meu tributo àquelles que me foram antecessores no genero que escolhi e que levo avante no livro O GLOSADOR MOTEJOSO, no qual pinço alguns dos versos abaixo como mottes para as glosas que compuz no "martello agalopado", ou seja, o decasyllabo heroico iniciado por pé anapestico ao invez de jambico.

Quasi todos os sonetos infra transcriptos foram tirados duma edição paulistana, dentre as innumeras copias que circulam, mais ou menos clandestinamente, do livro ao qual me reporto nos ponctos assignalados pela expressão "nota da fonte". Tracta-se do volume das POESIAS ERÓTICAS, BURLESCAS E SATÍRICAS, publicado em São Paulo pela Editora Escriba em 1969, da qual se transcrevem os sonetos (paginas 99-124).

São Paulo, janeiro de 2002

GLAUCO MATTOSO






I [SONETO NAPOLEÔNICO] (1)

Tendo o terrivel Bonaparte à vista,
Novo Hannibal, que esfalfa a voz da Fama,
"Ó cappados heroes!" (aos seus exclama
Purpureo fanfarrão, papal sacrista):

"O progresso estorvae da atroz conquista
Que da philosophia o mal derrama?..."
Disse, e em fervido tom sauda, e chama, [férvido]
Sanctos surdos, varões por sacra lista:

Delles em vão rogando um pio arrojo,
Convulso o corpo, as faces amarellas,
Cede triste victoria, que faz nojo!

O rapido francez vae-lhe às cannellas;
Dá, fere, macta: ficam-lhe em despojo
Reliquias, bullas, merdas, bagatellas.


(1)  Este soneto foi escripto na occasião em que o exercito francez
commandado por Bonaparte invadira os estados ecclesiasticos (1797),
chegando quasi às portas de Roma, e ameaçando o solo pontificio. O verso
nono: "Dellas em vão rogando um pio arrojo," envolve uma especie de
equivoco, ou como hoje se diria um calemburgo [ou trocadilho]; porque
Pio VI era o papa, que então presidia na "universal egreja de Deus". O
penultimo verso lê-se em algumas copias do modo seguinte: "Zumba,
catumba; ficam-lhe em despojo". [nota da fonte]


II  [SONETO DO EPITAPHIO]

La quando em mim perder a humanidade
Mais um daquelles, que não fazem falta,
Verbi-gratia — o theologo, o peralta,
Algum duque, ou marquez, ou conde, ou frade:

Não quero funeral communidade,
Que engrole "sub-venites" em voz alta;
Pingados gattarrões, gente de malta,
Eu tambem vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada edosa
Sepulchro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitaphio mão piedosa:

"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".



III [SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO]

Esse dysforme, e rigido porraz
Do semblante me faz perder a cor:
E assombrado d'espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para traz:

A espada do membrudo Ferrabraz
De certo não mettia mais horror:
Esse membro é capaz até de pôr
A amotinada Europa toda em paz.

Creio que nas fodaes recreações
Não te hão de a rija machina soffrer
Os mais corridos, sordidos cações:

De Venus não desfructas o prazer:
Que esse monstro, que alojas nos calções,
É porra de mostrar, não de foder.



IV  [SONETO (DES)PEJADO]

Num cappote embrulhado, ao pé de Armia,
Que tinha perto a mãe o cha fazendo,
Na linda mão lhe foi (oh céus) mettendo
O meu caralho, que de amor fervia:

Entre o susto, entre o pejo a moça ardia;
E eu solapado os beijos remordendo,
Pela fisga da saia a mão crescendo
A chamada sacana lhe fazia:

Entra a vir-se a menina... Ah! que vergonha!
"Que tens?" — lhe diz a mãe sobresaltada:
Não pode ella encobrir na mão langonha:

Suffocada ficou, a mãe corada:
Finda a partida, e mais do que medonha
A noite começou da bofetada.



V [SONETO AO ARCADE FRANÇA]

No cantho de um venal salão de dansa,
Ao som de uma rebeca desgrudada,
Olhos em alvo, a porra arrebitada,
Bocage, o folgazão, rostia o França. (2)

Este, com mogigangas de creança,
Com a mão pelos ovos encrespada,
Brandia sobre a roxa fronte alçada
Do assanhado porraz, que quer lambança.

Veterana se faz a mão bisonha;
Tanto a tempo meneia, e sua o bicho,
Que em Bocage o tesão vence a vergonha:

Quiz vir-me por luxuria, ou por capricho;
Mas em vez de acudir-lhe alva langonha
Rebenta-lhe do cu merdoso esguicho.



(2)  "Bocage, o folgazão, rostia o França." Si o soneto foi escripto,
como parece, pouco antes das contendas com os Arcades, isto é, entre os
annos de 1791 e 1793, o França, nascido em 1725, devia então contar os
seus 67 de edade! — "Rostir" é verbo neutro, que em sentido figurado
significa "mastigar". Fazemos aqui esta observação, porque ja notamos
que alguem entrou em duvida accerca da verdadeira intelligencia do
vocabulo. [nota da fonte]

[nota de GM] Reparo como os criticos ficam cheios de dedos, reluctantes
em admittir qualquer connotação homosexual na poesia de Bocage, ainda
que o poeta, em sonetos como o XV e o xx, não escondesse que um cu
masculino lhe era appetecivel. Neste caso, o sentido de "rostir", alem
de surrar, esbofetear, roçar, esfregar-se em, bolinar ou mesmo deshonrar
moralmente, pode muito bem alludir ao sexo oral ou anal, pouco
importando si o tal França fosse o arcade ou outro mais joven, ja que o
objectivo é expor o satirizado ao ridiculo.


VI [SONETO DE TODAS AS PUTAS] (3)

Não lamentes, ó Nize, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putissimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas teem reinado:

Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cleopatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrecia, com toda a tua proa,
O teu conno não passa por honrado:

Essa da Russia imperatriz famosa,
Que inda ha pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, ó Nize, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.


(3) Variante suggerida pelo proprio Bocage para o verso oitavo:
"Não passa o conno teu por conno honrado".

[nota de GM] Este soneto suscitou duvidas sobre a auctoria (que alguns
attribuem a João Vicente Pimentel Maldonado) e inspirou varias parodias,
entre as quaes esta:


[SONETO DE TODOS OS CORNOS]
[José Anselmo Correa Henriques]

Não lamentes, Alcino, o teu estado,
Corno tem sido muita gente boa;
Cornissimos fidalgos tem Lisboa,
Milhões de vezes cornos teem reinado.

Sicheu foi corno, e corno de um soldado:
Marco Antonio por corno perdeu c'roa;
Amphitryão com toda a sua proa
Na Fabula não passa por honrado;

Um rei Fernando foi cabrão famoso
(Segundo a antiga lettra da gazeta)
E entre mil cornos expirou vaidoso;

Tudo no mundo está sujeito à greta:
Não fiques mais, Alcino, duvidoso,
Pois isto de ser corno é tudo peta.



VII [SONETO DO VELHO ESCANDALOSO] (4)

Tu, ó demente velho descarado,
Escandalo do sexo masculino,
Que por alta justiça do Destino
Tens o impotente membro deceppado!

Tu, que, em torpe furor incendiado
Soffres d'impia paixão ardor maligno, [ímpia]
E a consorte gentil, de que és indigno,
Entregas a infructifero castrado!

Tu, que tendo bebido o menstruo immundo,
Esse amor indiscreto te não gasta
D'impia mulher o orgulho furibundo! [ímpia]

Em castigo do vicio, que te arrasta,
Saiba a inclita Lysia, e todo o mundo
Que és vil por genio, que és cabrão, e basta.

(4) Nas "Poesias satiricas ineditas de M. M. B. du Bocage, colligidas
pelo professor A. M. do Couto" (Lisboa, 1840), vem este soneto à pagina
28, e tem ahi o seguinte titulo: — "A um musico velho chamado L. F." —
Não alcançamos alguma outra indicação, nem mesmo vimos outras copias
deste soneto, com as quaes pudessemos conferil-o. [nota da fonte]


VIII [SONETO DA CAGADA] (5)

Vae cagar o mestiço e não vae só;
Convida a algum, que esteja no Gará,
E com as longas calças na mão ja
Pede ao cafre canudo e tambió:

Destapa o banco, atira o seu fuscó,
Depois que ao liso cu assento dá,
Diz ao outro: "Ó amigo, como está
A Rittinha? O que é feito da Nhonhó?"

"Vieste do Palmar? Foste a Pangin?
Não me darás noticias da Russu,
Que desde o outro dia inda a não vi?"

Assim prosegue, e farto ja de gu,
O branco, e respeitavel canarim
Deita fora o cachimbo, e lava o cu.


(5) Diz-se que este soneto fora escripto em Goa e dirigido a D.
Francisco de Almeida, fidalgo de raça mestiça cuja indole e costumes o
poeta quiz assim escarnecer. Derramou por todo elle vocabulos da lingua
canarina, cuja explicação debalde se procurará nos diccionarios. Em
edições anteriores diz-se que "tambió" quer dizer "tabaco"; "fuscó",
"peido"; "gu", "trampa", etc. Valha a verdade! [nota da fonte]


IX [SONETO DA DONZELLA ANSIOSA]

Arreitada donzella em fofo leito,
Deixando erguer a virginal camisa,
Sobre as roliças coxas se divisa
Entre sombras subtis pachacho estreito:

De louro pello um circulo imperfeito
Os pappudos beicinhos lhe matiza;
E a branca crica, nacarada e lisa,
Em pingos verte alvo licor desfeito:

A voraz porra as guelras encrespando
Arruma a focinheira, e entre gemidos
A moça treme, os olhos requebrados:

Como é inda boçal, perde os sentidos:
Porem vae com tal ansia trabalhando,
Que os homens é que veem a ser fodidos.


X [SONETO DA ESCULTURA ESCANDALOSA]

Esquentado frisão, brutal masmarro
Girava em Santarém na pobre feira;
Eis que divisa ao longe em couva ceira
Seus bons irmãos seráficos de barro:

O bruto, que arremeda um boi de carro
Na carranca feroz, parte à carreira,
Os sagrados bonecos escaqueira,
E arranca de ufania um longo escarro:

N'alma o santo furor lhe arqueja, e berra;
Mas vós enchei-vos de íntimo alvoroço,
Povos, que do burel sofreis a guerra:

Que dos bonzos de barro o vil destroço
É presságio talvez de irem por terra
Membrudos fradalhões de carne e osso!


XI [SONETO DA ESCULPTURA ESCANDALOSA]

Esquentado frisão, brutal masmarro
Gyrava em Sanctarem na pobre feira;
Eis que divisa ao longe em couva ceira
Seus bons irmãos seraphicos de barro:

O bruto, que arremeda um boi de carro
Na carranca feroz, parte à carreira,
Os sagrados bonecos escaqueira,
E arranca de ufania um longo escarro:

N'alma o sancto furor lhe arqueja, e berra;
Mas vós enchei-vos de intimo alvoroço,
Povos, que do burel soffreis a guerra:

Que dos bonzos de barro o vil destroço
É presagio talvez de irem por terra
Membrudos fradalhões de carne e osso!


XI [SONETO DA COPULA ESCULPIDA]

Nesta, cuja memoria esquece à Fama,
Feira, que de Sanct'rem vem de anno em anno,
Jazia co'uma freira um franciscano;
Eram de barro os dois, de barro a cama:

Co'a mão, que à virgindade injurias trama,
Pretendia o cabrão ferrar-lhe o panno;
Eis que um negro barrasco, um Frei Tutano
O espectaculo vê, que os rins lhe inflamma:

"Irra! Vens me attiçar, gente damnada!
Não basta a felpa dos bureis opacos,
Com que a carne rebelde anda rallada?"

"Fora, vis temptações, fora, velhacos!..."
Disse, e ao rispido som de atroz pattada
O escandaloso par converte em cacos.


XII [SONETO DO PRAZER MAIOR]

Amar dentro do peito uma donzella;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Fallar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janella:

Fazel-a vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertal-a nos braços casta e bella:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a bocca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vel-a rendida emfim a Amor fecundo;
Dictoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que ha no mundo.

XIII [SONETO DO PAU DECIFRADO]

É pau, e rei dos paus, não marmeleiro,
Bem que duas gamboas lhe lobrigo;
Dá leite, sem ser arvore de figo,
Da glande o fructo tem, sem ser sobreiro:

Verga, e não quebra, como zambujeiro;
Oco, qual sabugueiro tem o umbigo;
Brando às vezes, qual vime, está comsigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:

À roda da raiz produz carqueja:
Todo o resto do tronco é calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-sancto mais negreja!

Para carvalho ser falta-lhe um U; [carualho]
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar metta-o no cu.


XIV [SONETO DO PREGADOR PECCADOR]

Bojudo fradalhão de larga venta,
Abysmo immundo de tabaco esturro,
Doutor na asneira, na sciencia burro,
Com barba hirsuta, que no peito assenta:

No pulpito um domingo se apresenta;
Prega nas grades espantoso murro;
E acalmado do povo o grão sussurro
O dique das asneiras arrebenta.

Quattro putas mofavam de seus brados,
Não querendo que gritasse contra as modas [qu'rendo]
Um peccador dos mais desaforados:

"Não (diz uma) tu, padre, não me engodas:
Sempre me ha de lembrar por meus peccados
A noite, em que me deste nove fodas!"
 

XV [SONETO DO PADRE PATIFE] (6)

Aquelle semiclerigo patife,
Si eu no mundo fizera ainda apostas,
Apostara comtigo que nas costas
O grande Pico tem de Tenerife.

Celebre traste! É justo que se rife;
Eu tambem prompto estou, si disso gostas;
Não haja mais perguntas, nem respostas;
Venha, antes que algum taful o bife.

Parece hermaphrodita o corcovado;
Pela rachada parte (que appeteço)
Parece que emprenhou, pois anda opado!

Mas desta errada opinião me desço;
Pois que traz a creança no costado,
Deve ter emprenhado pelo sesso.


(6) O seguinte é o titulo deste soneto na collecção de Couto, ja citada:
"A um clerigo fulo, Deão de Angola, que aqui veiu a requerimentos, e era
corcovado naturalmente; corria o anno de 1800". [nota da fonte]


XVI [SONETO DO CARALHO POTENTE]

Porripotente heroe, que uma cadeira
Sustens na poncta do caralho teso,
Pondo-lhe em riba mais por contrapeso
A cappa de baetão da alcoviteira:

Teu casso é como o ramo da palmeira,
Que mais se eleva, quando tem mais peso;
Si o não conservas açaimado e preso,
É capaz de foder Lisboa inteira!

Que forças tens no horrido marsapo, [hórrido]
Que assentando a dysforme cachamorra
Deixa connos e cus feitos num trappo!

Quem ao ver-te o tesão há não discorra
Que tu não podes ser sinão Priapo,
Ou que tens um guindaste em vez de porra?



XVII [SONETO DO PRAZER EPHEMERO]

Dizem que o rei cruel do Averno immundo
Tem entre as pernas caralhaz lanceta,
Para metter do cu na aberta greta
A quem não foder bem ca neste mundo:

Tremei, humanos, deste mal profundo,
Deixae essas lições, sabida peta,
Foda-se a salvo, coma-se a punheta:
Este prazer da vida mais jucundo.

Si pois guardar devemos castidade,
Para que nos deu Deus porras leiteiras,
Sinão para foder com liberdade?

Fodam-se, pois, casadas e solteiras,
E seja isto ja; que é curta a edade,
E as horas do prazer voam ligeiras! (7)

(7) "As horas do prazer voam ligeiras." foi motte dado, a que este
soneto serviu de glosa, bem como o que adeante se transcreve sob numero
XXX. [nota da fonte]


XVIII [SONETO AO ARCADE LERENO] (8)

Nojenta prole da rainha Ginga,
Sabujo ladrador, cara de nico,
Loquaz saguim, burlesco Theodorico,
Osga torrada, estupido rezinga;

E não te accuso de poeta pinga;
Tens lido o mestre Ignacio, e o bom Suppico;
De ocas idéas tens o casco rico,
Mas teus versos tresandam a catinga:

Si a tua musa nos outeiros campa,
Si ao Miranda fizeste ode demente,
E o mais, que ao mundo estolido se incampa: [estólido]

É porque sendo, ó Caldas, tão somente
Um cafre, um gozo, um nescio, um parvo, um trampa,
Queres metter nariz em cu de gente.


(8) É dirigido ao padre Domingos Caldas Barbosa (Lereno Selinuntino) ao
tempo das contendas com os Arcades. [nota da fonte]

[nota de GM] A este e outros poemas, os attingidos pela satira se
desforravam de Elmano (nome arcade de Bocage) com sonetos deste typo:


[SONETO AO VIL INSECTO] [anonymo]

Emquanto a rude plebe alvoroçada
Do rouco vate escuta a voz de mouro,
Que do peito inflammado sae d'estouro
Por estreito boccal desentoada:

Não cessa a cantilena acigarrada
Do vil insecto, do mordaz bezouro;
Que à larga se creou por entre o louro
De que a sabia Minerva está c'roada:

Emquanto o cego atheu, calvo da tinha,
Com parolas confunde alguns basbaques,
Psalmeando a amatoria ladainha:

Eu não me posso ter; cheio de achaques,
Cansado de lhe ouvir — "Bravo! Esta é minha!"
Cago sem me sentir, desando em traques.


[OUTRO SONETO AO VIL INSECTO] [J. Franco]

Ha juncto do Parnaso um turvo lago,
Aonde em rans existem transformados
Os trovistas de cascos esquentados,
Cerebro frouxo, ou de miolo vago:

Por mais infamia sua, e mais estrago
Doou-lhe Phebo os animos damnados,
P'ra que exprimam em versos desasados
Os seus destinos vis, nos quaes eu cago:

Aqui Bocage, vive, e d'aqui ralha,
E co'a tartarea lingua ponctiaguda
Bons e maus, maus e bons, tudo atassalha.

É vil insecto, e o genio atroz não muda,
Bem como a escura cor não muda a gralha,
E o hediondo fedor não perde a arruda.


[SONETO AO PECCADOR MORTO] [B. M. Curvo Semmedo]

Morreu Bocage, sepultou-se em Goa!
Chorae, moças venaes, chorae, pedantes,
O insulso estragador das consoantes,
Que tantos tempos aturdiu Lisboa!

Por aventuras mil obteve a c'roa
Que a fronte cinge dos heroes andantes;
Inda veiu de climas tão distantes
À toa vegetar, versar à toa:

Este que vês, com olhos macerados,
Não é Bocage, não, rei dos brejeiros,
São apenas seus olhos descarnados:

Fugiu do cemiterio aos companheiros:
Anda agora purgando seus peccados
Glosando aos cagaçaes pelos outeiros.


[SONETO DO RETRACTO MAL FALLADO] [anonymo]

Esqueleto animal, cara de fome,
De Timão, e chapéu à hollandeza,
Olhos espantadiços, bocca accesa,
D'onde o fumo, que sae, a todos some:

Milagre do Parnaso em fama e nome,
Em corpo gallicado alma franceza,
Com voz medonha, lingua portugueza,
Que aos boccados a honra e brio come:

Toda a moça, que delle se confia,
É virgem no serralho do seu peito;
Janella, que se fecha, putaria!

Neste esboço o retracto tenho feito;
Eis o grande e fatal Manoel Maria,
Que até pintado perde o bom conceito.


XIX [SONETO MAÇONICO] (9)

Turba esfaimada, multidão canina,
Corja, que tem por deus ou Momo, ou Baccho,
Reina, e decreta nos covis de Caco
Ignorancia daqui, dalli rapina:

Colhe de alto systema e lei divina
Imaginario jus, com que encha o sacco;
Textos gagueja em vão Doutor macaco
Por ouro, que promette alma sovina:

Circulo umbroso de venaes pedantes,
Com torpe astucia de maligna zorra
Usurpa nome excelso, e graus flammantes:

Ora mijei na sucia, inda que eu morra
Corno, arrocho, bambu nos elephantes,
Cujo vulto é de anões, a tromba é porra!


 A respeito da origem deste soneto, contou-se-nos que tendo Bocage
sido iniciado em uma das lojas maçonicas, que naquella epocha existiam
em Lisboa (de que era Veneravel Bento Pereira do Carmo, e Orador José
Joaquim Ferreira de Moura, ambos deputados às Cortes de 1821 e 1823, e
bem conhecidos na historia politica dos nossos tempos modernos)
frequentara durante alguns mezes aquella associação, assistindo às suas
reuniões, até que desavindo-se um dia com os Irmãos por qualquer motivo
que fosse, em um accesso de cholera rompera extemporaneamente neste
soneto, que rasgou depois de escripto; mas alguem o tinha ja copiado,
aliaz succeder-lhe-ia o mesmo que a tantas outras producções do auctor,
irremediavelmente perdidas. Doutor macaco — José Joaquim Ferreira de
Moura tinha effectivamente uma physiognomia amacacada, e gaguejava algum
tanto, segundo o testemunho dos seus contemporaneos. [nota da fonte]


XX [AUTORETRACTO] (10)

Magro, de olhos azues, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno.

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em niveas mãos por taça escura
De zelos infernaes letal veneno.

Devoto incensador de mil deidades,
(Digo de moças mil) num só momento
Inimigo de hypocritas, e frades.

Eis Bocage, em quem luz algum talento:
Sahiram delle mesmo estas verdades
Num dia, em que se achou cagando ao vento.

(10) Este soneto, bem como os quattro seguintes, figuram com variantes
na citada edição de Couto, segundo a fonte. Neste, ha variante no verso
11, "E somente no altar amando os frades," e no verso 14, "Num dia em
que se achou mais pachorrento.", segundo o fasciculo da serie
"Litteratura commentada" (Abril Educação, 1980), assignado por Marisa
Lajolo e Ricardo Maranhão. [nota de GM]


XXI [SONETO DRAMATICO]

Na scena em quadra tragico-hinvernosa
Zahida se impingiu (fradesco drama!)
Appareceu depois, com sede à fama,
Tragedia mais egual, mais lastimosa:

O auctor pranteia em phrase apparatosa
Esfaqueado arraes, pimpão d'Alfama;
Corno o protagonista, e puta a dama,
O machão é Simeão, e a mula é Rosa:

Espicha o rabo (eu tremo ao proferil-o)
Espicha o rabo alli o heroe na rua,
Qual Muratão nos areaes do Nilo!

Elmiro na tarefa contínua,
Ja todos pela escolha, e pelo estylo
Rosnam que a nova peça é obra sua.


XXII [SONETO ARCADICO]

Não tendo que fazer Apollo um dia
Às Musas disse: "Irmans, é beneficio
Vadios empregar, demos officio
Aos socios vãos da magra Academia!"

"O Caldas satisfaça à padaria;
O França d'enjoar tenha exercicio,
E o auctor do entremez do Rei Egypcio
O Pegaso veloz conduza à pia!"

"Va na Ulysséa tasquinhar o ex-frade:
Da sala o Quintanilha accenda as velas,
Em se junctando alguma sociedade!"

"Bernardo nenias faça, e cague nellas;
E Belmiro, por ter habilidade,
Como d'antes trabalhe em bagatellas!"


XXIII [OUTRO SONETO AO FRANÇA]

Rapada, amarellenta, cabelleira,
Vesgos olhos, que o cha, e o doce engoda,
Bocca, que à parte esquerda se accommoda,
(Uns affirmam que fede, outros que cheira):

Japona, que da ladra andou na feira;
Ferrugento faim, que ja foi moda
No tempo em que Albuquerque fez a poda
Ao soberbo Hidalcão com mão guerreira:

Ruço calção, que esporra no joelho
Meia e sapato, com que ao lodo avança,
Vindo a encontrar-se c'o esburgalhado artelho:

Jarra, com appetites de creança;
Cara com semelhança de besbelho;
Eis o bedel do Pindo, o doutor França.


XXIV [SONETO AO LEITÃO]

Pilha aqui, pilha alli, vozeia auctores,
Montesquieu, Mirabeau, Voltaire, e varios;
Propõe systemas, tira corolarios,
E usurpa o tom d'emphaticos doutores:

Sciencia de livreiros e impressores
Tem da vasta memoria nos armarios;
E tractando os christãos de visionarios,
Só rende culto a Venus, e aos Amores:

A mulher, que a barriga lhe tem forra
Do jugo da vital necessidade,
Deixa em casa gemer como em masmorra:

Este biltre, labéu da humanidade,
É um tal bacharel Leitão de borra,
Lascivo como um burro, ou como um frade.


XXV [SONETO DO DIALOGO CONJUGAL]

Não chores, cara esposa, que o Destino
Manda que parta, à guerra me convida;
A honra prezo mais que a propria vida,
E si assim não fizera, fora indigno.

"Eu te acho, meu Conde, tão menino
Que receio..." — Ah! Não temas, não, querida;
A franceza nação será battida,
Este peito, que vês, é diamantino.

"Como é crivel que sejas tão valente?..."
Eu herdei o valor de avós, e paes,
Que essa virtude tem a illustre gente.

"Porem si as forças forem deseguaes...?"
Irra, Condessa! És muito impertinente!
Tornarei a fugir, que queres mais?


XXVI [SONETO ANTICLERICAL] (11)

Si quereis, bom Monarcha, ter soldados
Para compor lustrosos regimentos,
Mandae desentulhar esses conventos
Em favor da preguiça edificados:

Nos Bernardos lambões, e asselvajados
Achareis mil guerreiros corpulentos;
Nos Vicentes, nos Nerys, e nos Bentos
Outros tantos, não menos esforçados:

Tudo extingui, senhor: fiquem somente
Os Franciscanos, Loios, e Torneiros,
Do Centimano asperrima semente:

Existam estes lobos carniceiros,
Para não arruinar inteiramente
Putas, pivias, cações, e alcoviteiros.

(11) [nota de GM] Este, como outros sonetos de Bocage, instigou
innumeros sonetistas a tambem hostilizar o clero. Alguns exemplos:


[SONETO DOS DONATIVOS]
[Francisco Manoel do Nascimento]

Christo morreu ha mil e tantos annos;
Foi descido da cruz, logo enterrado;
E inda assim de pedir não tem cessado
Para o sepulchro delle os franciscanos!

Tornou a resurgir dentre os humanos;
Subiu da terra ao céu, la está sentado;
E à saude delle sepultado
Comem à nossa custa estes maganos:

Cuidam os que lhes dão a sua esmola
Que ella se gasta na funcção mais pia...
Quanto vos engannaes, oh gente tola!

O altar mor com dois cotos se allumia:
E o fradinho co'a puta, que o consola,
Gasta de noite o que lhe daes de dia.


[SONETO DA ESMOLA DESVIRTUADA]
[anonymo]

Padre Frei Cosme, vossa reverencia
Se enganna, ou engannar-nos talvez tenta:
Quem as riquezas dá, quem nos sustenta,
Não é de Deus a summa providencia?

Pois logo com que cara ou consciencia
Esmola pede, e arrepanhar intenta
Para o Senhor da Paz, ou da Tormenta?
Tem Deus do homem acaso dependencia?

Tire a mascara pois, largue a saccola,
E deixe o povo, a quem impunemente
Em nome do Senhor escorcha, e exfolla:

À viuva deixe a esmola, e ao indigente;
E não queira, hypocrita farsola
Foder à custa da devota gente.


[SONETO DO MONGE CALUMNIADO]
[anonymo]

Lingua mordaz, infame e maldizente,
Não ouses murmurar do bom prelado:
Inda que o vejas com Alcippe ao lado.
Amigo não será, será parente:

Geral da Ordem, pregador potente,
No jogo padre-mestre jubilado,
E tambem caloteiro descarado
Pode ser que o repute alguma gente:

E que te importa que fornique a moça?
Que pregue o evangelho por dinheiro? [pé quebrado]
Que em vez de andar a pé ande em carroça?

Talvez que disso seja um verdadeiro
Dos monges exemplar, da Serra d'Ossa,
Pois que dos monges é hoje o primeiro. (anônimo)


XXVII [SONETO DO MOURO DESMORALIZADO]

Veiu Muley -- Achmet marroquino
Com duros trigos entulhar Lisboa;
Pagava bem, não houve moça boa
Que não provasse o casco adamantino:

Passou a um seminario feminino,
Dos que mais bem providos se apregoa,
Onde a um frade bem fornida ilhoa
Dava d'esmola cada dia um pino:

Tinha o mouro fodido largamente,
E ja bazofiando com desdouro
Tractava a nação lusa d'impotente:

Entra o frade, e ao ouvil-o, como um touro
Passou tudo a caralho novamente,
E o triumpho acabou no cu do mouro.


XXVIII [SONETO DO CORNO INTERESSEIRO]

Uma noite o Scopezzi mui contente
(Depois de borrifar a sacra espada
Que traz de rubra fita pendurada
Com cuspo, e vinho, que vomita quente):

Conversava co'a esposa em voz tremente
Sobre a grande ventura inesperada
De ser a sua Placida adorada
Por um Marquez tão rico, e tão potente:

A velha lhe replica: Isso é verdade;
Emquanto moça for, nunca o dinheiro
Faltará nesta casa em quantidade.

"Mas tu sempre és o tafulão primeiro:
Pois tendo cabrão sido noutra edade,
És agora o maior alcoviteiro!"


XXIX (12) [SONETO DA DAMA CAGANDO]

Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porem o ver cagar a formosura
Mette nojo à vontade mais gulosa!

Ella a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma charta d'amor de alimpadura
Serviu àquella parte malcheirosa:

Ora mandem à moça mais bonita
Um escripto d'amor que lisonjeiro
Affectos move, corações incita:

Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palacio do alcatreiro!

(12) Tanto este, como o que adeante segue sob numero XXXII, andam em
algumas collecções attribuidas ao Abbade de Jazente. [nota da fonte]


XXX [OUTRO SONETO DO PRAZER EPHEMERO] (13)

Quando do grão Martinho a fatal Marca
O termo fez soar no seu chocalho,
Levou trez dias a passar caralho
Do medonho Charonte a negra barca;

Eis no terceiro dia o padre embarca,
E o velho, que a ninguem faz agasalho,
Em premio quiz só ter do seu trabalho
O gaudio de ver porra de tal marca:

Pegou-se ao cão trifauce a voz na goela
Ao ver de membro tal as deanteiras,
E Plutão a mulher poz de cautela:

Porem Dido gritou às companheiras:
"Agora temos porra; a ella, a ella,
Que as horas de prazer voam ligeiras!"

(13) Ver o soneto XVII.


XXXI [SONETO DA PUTA NOVATA]

Dizendo que a costura não dá nada,
Que não sabe servir quem foi senhora,
A impulsos da paixão fornicadora
Sobe d'alcoviteira a moça a escada.

Seus desejos lhe pinta a malfadada,
E a tabaquanta velha seductora
Diz-lhe: "Veiu menina, em bella hora,
Que essas, que tenho, ja não ganham nada".

Matricula-se aqui a tal pateta,
Em punhetas e fodas se industria,
Emquanto a mestra lhe não rifa a greta.

Chega, por fim, o fornicario dia;
Dentro em pouco a menina de muleta
Passeia do hospital na enfermaria.


XXXII [SONETO ASCOROSO] (14)

Piolhos cria o cabello mais dourado;
Branca remela o olho mais vistoso;
Pelo nariz do rosto mais formoso
O monco se divisa pendurado.

Pela bocca do rosto mais corado
Halito sae, às vezes bem ascoroso; [pronuncia-se "ascroso"]
A mais nevada mão sempre é forçoso
Que de sua dona o cu tenha tocado.

Ao pé delle a melhor natura mora,
Que deitando no mez podre gordura,
Fetido mijo lança a qualquer hora.

O cu mais alvo caga merda pura:
Pois si é isto o que tanto se namora,
Em ti mijo, em ti cago, ó formosura!

(14) [nota de GM] Este soneto, às vezes attribuido ao Abbade de Jazente,
é, por sua vez, variante dum outro, de auctor anonymo do seculo XVII:


[SONETO DA PORCARIA]

Que fio de ouro, que cabello ondado,
piolhos não creou, lendeas não teve?
Que raio de olhos blasonar se attreve,
que não foi de remelas mal tractado?

Que bocca se acha ou que nariz prezado
aonde monco ou escarro nunca esteve?
E de que tal crystal ou branca neve
não se viu seu besbelho visitado?

Que pappo de mais bella galhardia
que um dedo está do cu só dividido,
não mija e regra tem todos os mezes?

Si amor é tudo merda e porcaria,
e por este monturo andaes perdido,
cago no amor e em vós trezentas vezes.


XXXIII [SONETO DO CORNO CHOROSO]

Si o grão serralho do Sophi potente,
Ou do Sultão feroz, que rege a Thracia,
Mil Venus de Georgia, oh! da Circassia
Nuas prestasse ao meu desejo ardente!

Si negros brutos, que parecem gente,
Ministros fossem de lasciva audacia,
Inda assim do ciume a pertinacia
No peito me nutria ardor pungente!

Erraste em produzir-me, ó Natureza,
Num paiz onde todos fodem tudo,
Onde leis não conhece a porra tesa!

Cioso affecto, affecto carrancudo!
Zelar moças na Europa é ardua empresa,
Entre nós ser amante é ser cornudo.


XXXIV [SONETO DA BEATA EXPERTA] (15)

Não te crimino a ti, plebe insensata,
A van superstição não te crimino;
Foi natural, que o frade era ladino,
É experta em macaquices a beata:

Só crimino esse heroe de bola chata,
Que na eschola de Marte inda é menino,
E ao falso pastor, pastor sem tino,
Que tão mal das ovelhas cura, e tracta:

Item, crimino o respeitavel Cunha,
Que a frias petas credito não dera,
A ser philosopho, como suppunha: [dysrhythmico]

Coitado! Protestou com voz sincera
Fazer geral, contrita caramunha,
Porem ficou peor que d'antes era!

(15) [nota de GM] O hermetismo deste soneto parece impenetravel a quem
não conheça o facto alludido, o caso da beata de Evora, cuja morte
milagrosa foi producto duma farsa preparada pelo clero local, que acabou
desmascarada. Outros sonetos da epocha alludiram ao episodio, como estes
attribuidos a Miguel Tiberio Pedagache:


[SONETO DO FALSO MILAGRE]

De c'roa virginal a fronte ornada,
Em lugubres mortalhas envolvida
A beata fatal jaz extendida,
De assistentes contritos rodeada:

Um se tem por ja salvo em ter chegada
Ao lindo pé a bocca commovida
Outro protesta reformar a vida:
Porem ella respira, e está corada!

Que é sancta, e que morreu, com juramentos
Affirma audaz o façanhudo frade
E que prodigios são seus movimentos

O devoto auditorio se persuade:
Renovam-se os protestos e os lamentos:
Triste religião! Pobre cidade!


[SONETO DA SUPPOSTA SANCTA]

Acredite, sentado aos quentes lares
Nas noites hinvernosas de janeiro,
Relendo em Carlos Magno o sapateiro
As proezas crueis dos doze Pares:

Creiam que veem as bruxas pelos ares
A chupar as creanças no trazeiro;
Comam quanto lhes diz o gazeteiro,
De casos, de successos singulares:

Porem, que uma beata amortalhada,
Com a cara vermelha e corpo molle,
E sancta por um frade apregoada:

Que respire, que os braços desenrole,
E seja por defuncta acreditada,
Isto somente em Evora se engole!



XXXV [SONETO DA AMADA GABADA]

Si tu visses, Josino, a minha amada
Havias de louvar o meu bom gosto;
Pois seu nevado, rubicundo rosto
Às mais formosas não inveja nada:

Na sua bocca Venus faz morada:
Nos olhos tem Cupido as settas posto;
Nas mammas faz Lascivia o seu encosto,
Nella, emfim, tudo encanta, tudo agrada:

Si a Asia visse coisa tão bonita
Talvez lhe levantasse algum pagode
A gente, que na foda se exercita!

Belleza mais completa haver não pode:
Pois mesmo o conno seu, quando palpita,
Parece estar dizendo: "Fode, fode!"


XXXVI [SONETO DAS GLORIAS CARNAES] (16)

Cante a guerra quem for arrenegado,
Que eu nem palavra gastarei com ella;
Minha Musa será sem par cannella
Co'um felpudo conninho abraseado:

Aqui descreverei como arreitado
Num mar de bimbas navegando à vela,
Cheguei, propicio o vento, à doce, àquella
Enseada d'amor, rei coroado:

Direi tambem os beijos sussurrantes,
Os intrincados nós das linguas ternas,
E o aturado fungar de dois amantes:

Estas glorias serão na fama eternas
Às minhas cinzas me farão descantes
Femeos vindouros, alargando as pernas.

(16) [nota de GM] Este e os proximos sonetos foram transcriptos dum
caderno onde estavam mixturados aos de Pedro José Constancio, poeta que
morreu louco, victima da vida desregrada e dos males venereos, cujo
estylo e cuja thematica, bem semelhantes aos bocageanos, geraram
confusões entre alguns estudiosos, que não conseguiram distinguir uns
dos outros. Por via das duvidas, o soneto abaixo é com certeza de
auctoria do meu lunatico xará:


[SONETO DO NINHO]
[Pedro José Constancio]

Para illudir o suspirado encanto,
Por quem debalde ha longo tempo ardia,
"Um ninho achei, ó Lesbia (eu lhe dizia)
Como é dos paes delicioso o canto!"

Assim doloso me expressava, em quanto
Um alegre alvoroço em Lesbia eu via:
"Ah! onde o deparaste?" (ella inquiria)
"Vem (lhe torno) commigo ao pé do acantho":

Por um bosque me fui co'os meus amores,
Pergunta aos ramos pelo implume achado,
E respondendo só vão meus furores.

Conhece... quer fugir ao laço armado,
Na encosta a vergo, que afofavam flores,
Beijo-lhe as iras... fique o mais calado.


XXXVII [SONETO DO CARALHO APATETADO]

Fiado no fervor da mocidade,
Que me accenava com tesões chibantes,
Consumia da vida os meus instantes
Fodendo como um bode, ou como um frade.

Quantas pediram, mas em vão, piedade
Encavadas por mim balbuciantes!
Ficando a gordos sessos alvejantes
Que hemorrhoides não fiz nesta cidade!

À força de brigar fiquei mammado;
Vista ao caralho meu, que de gaiteiro
Está sobre os colhões apatetado:

Oh Numen tutelar do mijadeiro!
Levar-te-ei, si tornar ao teso estado,
Por offerenda espetado um parrameiro.


XXXVIII [SONETO DO JURAMENTO]

Eu foder putas?... Nunca mais, caralho!
Has de jurar-m'o aqui, sobre estas Horas:
E vamos, vamos ja!... Porem tu choras?
"Não senhor (me diz elle) eu não, não ralho":

Battendo sobre as Horas como um malho,
"Juro (diz elle) só foder senhoras,
Das que abrem por amor as temptadoras
Pernas àquillo, que arde mais que o alho".

Co'a força do jurar esfolheando
O sacro livro foi, e a ardente sede
O fez em mar de ranho ir soluçando...

Ah! que fizeste? O céu teus passos mede!
Anda, heretico filho miserando,
Levanta o dedo a Deus, perdão lhe pede!


XXXIX [SONETO ANAL]

"Ora deixe-me, então... faz-se creança?
Olhe que eu grito, pela mãe chamando!"
Pois grite (então lhe digo, amarrotando
Saiote, que em baixal-o irada cansa):

Na quente lucta lhe desgrenho a trança
A anagua lhe levanto, e fumegando,
As estreitadas bimbas separando
Lhe arrimo o caralhão, que não se amansa:

Tanto a ser giria, não gritava a bella:
Que a cada grito se escorvava a porra,
Fazendo-lhe do cu saltante pella!

— Ha de pagar-me as mangações de borra,
Basta de conno, ponha o sesso à vela,
Que nelle ir quero visitar Gomorrha.


XL [SONETO DA PUTA ASSOMBROSA]

Pela rua da Rosa eu caminhava
Eram septe da noite, e a porra tesa;
Eis puta, que indicava assaz pobreza,
Co'um lencinho à janella me accenava.

Quaes conselhos? A porra fumegava;
"Hei de seguir a lei da natureza!"
Assim dizia e effeituou-se a empresa;
Prepucio para traz a porta entrava.

Sem que saude a moça prazenteira
Se arrima com furor não visto à crica,
E a bella a molle-molle o cu peneira.

Ninguem me gabe o rebolar d'Annica;
Esta puta em foder excede à Freira,
Excede o pensamento, assombra a pica!


XLI [SONETO DO GOZADOR COÇADOR]

"Apre! não mettas todo... Eu mais não posso..."
Assim Marcia formosa me dizia;
— Não sou barbaro (à moça eu respondia)
Brandamente verás como te coço!

"Ai! por Deus, não... não mais, que é grande! e grosso!"
Quem resistir ao seu fallar podia?
Meigamente o conninho lhe battia;
Ella diz "Ah meu bem! meu peito é vosso!"

O rebolar do cu (ah!) não te esqueça
Como és bella, meu bem! (então lhe digo)
Ella em suspiros mil a ardencia expressa.

Por te unir fazer muito ao meu umbigo;
Assim, assim... menina, mais depressa!...
Eu me venho... ai Jesus!... vem-te commigo!


XLII [SONETO DO GOZO VICTORIOSO]

Vem ca, minha Marilia, tão roliça,
So'as bochechas da cor do meu caralho,
Que eu quero ver si os beiços embaralho
Co'esses teus, onde amor a ardencia attiça:

Que abrimentos de bocca! Tens preguiça?
Hospeda-me entre as pernas este malho,
Que eu te ponho ja tesa como um alho;
Ora chega-te a mim, leva esta piça...

Ora mexe... que tal te sabe, amiga?
Então foges c'o sesso? É forte historia!
Elle é bom de levar, não, não é viga.

"Eu grito!" (diz a moça merencoria).
Pois grita, que espetada nesta espiga
Com porraes salvas cantarei victoria.


XLIII [SONETO DO LASCIVO PEZINHO]

Dormia a somno solto a minha amada,
Quando eu pé ante pé no quarto entrava:
E ao ver a linda moça, que arreitava,
Sinto a porra de gosto alvoroçada:

Ora do rosto vejo eu a nevada
Pudibunda bochecha, que encantava;
Outrora nas mamminhas demorava
Soffrega, ardente vista embasbacada:

Porem vendo sahir dentre o vestido
Um lascivo pezinho torneado,
Bispo-lhe as pernas e fiquei perdido:

Vae sinão quando, o meu caralho amado
Bem como Enéas accordava Dido,
Salta-lhe ao pello, por seguir seu fado.


XLIV [SONETO DA PORRA BURRA]

Eram oito do dia; eis a creada
Me corre ao quarto, e diz "Ahi vem menina
Em busca sua; faces de bonina,
Olhos, que quem os viu não quer mais nada".

Eis me visto, eis me lavo, e esta engraçada
Fui ver incontinenti; oh céus! que mina!
Que breve pé! Que perna tão divina!
Que mamminhas! que rosto! Oh, que é tão dada!

A porra nos calções me dava urros;
Eis a levo ao meu leito, e ella rubente
Não podia soffrer da porra os murros;

"Ai!... Ai!... (de quando em quando assim se sente)
Uma porra tamanha é dada aos burros,
Não é porra capaz de foder gente".


XLV [SONETO DO CARALHO GOVERNANTE]

Pela escadinha de um courão subindo
Parei na sala onde não entra o pejo;
Chinelo aqui e alli suado vejo,
E o fato de chordel pendente, rindo;

Quando em miseria tanta reflectindo
Estava, me surgiu nympha do Tejo,
Roendo um fatacaz de pão com queijo,
E para mim num ai vem rebullindo:

Dá-me um grito a razão: — "Eia, fujamos,
Minha porra infeliz, ja deste inferno...
Mas tu respingas? Tenho dicto, vamos..."

Eis a porra assim diz: — "Com odio eterno
Eu, e os socios colhões em ti mijamos;
Para baixo do umbigo eu só governo".


XLVI [SONETO MATINAL]

Eram seis da manhan; eu accordava
Ao som de mão, que à porta me battia;
"Ora vejamos quem será"... dizia,
E assentado na cama me zangava.

Brando rugir da seda se escutava,
E sapato a ranger tambem se ouvia...
Salto fora da cama... Oh! que alegria
Não tive, olhando Armia, que arreitava!

Temendo venha alguem, a porta fecho:
Co'um chupão lhe saudei a rosea bocca,
E na rompente mamma alegre mexo:

O caralho estouvado o conno abocca;
Batte a gostosa greta o rubro queixo,
E a matinas de amor a porra toca.


XLVII [SONETO DO COITO INTERROMPIDO]

"Mas si o pae accordar!..." (Marcia dizia
A mim, que à meia-noite a trombicava)
"Hoje não..." (continua, mas deixava
Levantar o saiote, e não queria!)

Sempre em pé a dizer: "Então, avia..."
Sesso à parede, a porra me aguentava:
Uma coisa notei, que me arreitava,
Era o calçado pé, que então rangia:

Vim-me, e assentado num degrau da escada,
Dando alimpa ao caralho, e mais à greta
Nos preparamos para mais porrada:

Por variar, nas mãos metti-lhe a teta;
Tosse o pae, foge a filha... Ó vida errada!
La me ficou em meio uma punheta!


XLVIII [SONETO DA COPULA CANINA]

Quando no estado natural vivia
Mettida pelo matto a especie humana,
Ai da gentil menina deshumana,
Que à força a greta virginal abria!

Entrou o estado social um dia;
Manda a lei que o irmão não foda a mana,
É crime até chuchar uma sacana,
E pesa a excommunhão na sodomia:

Quanto, lascivos cães, sois mais dictosos!
Si na egreja gostaes de uma cachorra,
La mesmo, ante o altar, fodeis gostosos:

Emquanto a linda moça, feita zorra,
Voltando a custo os olhos voluptuosos,
Põe num altar a vista, a idéa em porra.


XLIX [SONETO DA MOCETONA PUDIBUNDA]

Levanta Alzira os olhos pudibunda
Para ver onde a mão lhe conduzia;
Vendo que nella a porra lhe mettia
Fez-se mais do que o nacar rubicunda.

Toco o pentelho seu, toco a rotunda
Lisa bimba, onde Amor seu throno erguia;
Entretanto em desejos ella ardia,
Brando licor o passaro lhe inunda.

C'o dedo a greta sua lhe coçava;
Ella, machinalmente a mão movendo,
Docemente o caralho me embalava;

"Mais depressa" — Lhe digo então morrendo.
Emquanto ella signaes do mesmo dava;
Mystica pivia assim fomos comendo.


L [SONETO DO OFFICIO MERETRICIO]

Uma empada de gallico à janella,
Fazendo meia, alinhavando trappos,
Emquanto a guerra faz tudo em farrapos,
Pondo o honrado a pedir, e a virgem bella!

Vae a trombuda, sordida Michela
Fazendo guerra a marujaes marsapos,
E sem que deste mil lhe façam pappos,
C'o sesso tambem dá às porras trela:

Tudo em metal por dois canaes ajuncta;
Recrutas nunca teme, e do Castello
Se ri, que aos beleguins as mãos lhes uncta:

Nas publicas funcções vae dar-se ao prelo:
Minh'alma agora, meu leitor, pergunta
Si o ser puta não é officio bello?


LI [SONETO DO CARALHO DECADENTE]

Com que magoa o não digo! Eu nem te vejo,
Meu caralho infeliz! Tu, que algum dia
Na gaiteira amorosa philistria
Foste o regalo do meu patrio Tejo!

Sem te importar o feminino pejo,
Traz a mimosa virgem, que fugia,
Ficando à terna, afadigada Armia,
Lhe pespegavas no conninho um beijo:

Hoje, canal de fetida remela,
O misanthropo do paiz das bimbas,
Apenas olhas candida donzella!

Deitado dos colhões sobre as tarimbas,
Só co'a memoria em feminil cannella
Às vezes pivia casual cachimbas.


LII [SONETO DO ADEUS ÀS PUTAS]

Que eu não possa ajunctar como o Quintella
É coisa que me afflige o pensamento;
Desinquieta a porra quer sustento,
E a pivia tracta ja de bagatella.

Si n'outro tempo houve alguma bella
Que o amor só desse o conno pennugento,
Isso foi, ja não é; que o mais sebento
Cagaçal quer durazia caravella.

Perdem saude, bolsa, e economia;
Nunca mais me verão meu membro ropto;
Está ahi mi'a porral philosophia.

Putas, adeus! Não sou vosso devoto;
Co'um sesso engannarei a phantasia,
Numa escada enrabando um bom garoto.

 

 

Glauco Mattoso?

Copyright © Glauco Mattoso.

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